Em 20 anos, gravidez após os 35 anos cresce 65% no Brasil

13 de janeiro, 2019

Casamento tardio e dedicação a estudos e carreira influenciam mudança; faixa que dá à luz entre 20 e 29 anos caiu 15%

(Folha de S.Paulo, 13/01/2019 – acesse no site de origem)

Aos 32 anos ela se casou. Aos 36, começou a pensar em ter filhos, mas foi empurrando o plano por causa da carreira. Aos 37 disse para o marido que os dois deveriam começar a tentar engravidar. O bebê veio aos 38.

Essa é a história de Berta Andressa, 39, mãe de Pietro, de um ano e sete meses, provavelmente parecida com a de mulheres ao seu redor e de milhões que tiveram filhos nessa faixa de idade nos últimos anos no Brasil.

Levantamento do Núcleo de Inteligência da Folha a partir dos dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos do Ministério da Saúde aponta que o número de mulheres que deram à luz entre os 35 e os 39 anos aumentou 71% nos últimos 20 anos no país.

As secretarias estaduais de  Saúde coletam as Declarações de Nascidos Vivos (DN) nos estabelecimentos de saúde e nos cartórios (para partos domiciliares) e alimentam o sistema de informações.

De 1998 a 2017, o número de mulheres que deram à luz entre os 40 e os 44 anos cresceu 50%. Dentre as que tiveram filhos dos 30 aos 34 anos, o aumento foi de 37%. Somadas as faixas acima dos 35 anos,  a alta foi de 65%.

Já os nascimentos de bebês de mães que tinham de 20 a 29 anos caíram 15%.

No círculo de Berta, amigas e parentes também têm filhos depois dos 35 anos. “Todo mundo quer ter estabilidade financeira primeiro.” Um porém de adiar a gravidez, diz ela, é lidar com a ansiedade dos avós.

“Minha mãe pedia um neto há quase 20 anos. Quando anunciei a gravidez já estava todo mundo desacreditado”, conta.

Para os ginecologistas e obstetras, os números traduzem o que o dia a dia dos consultórios já mostram.

“Os determinantes são claros: os papéis femininos mudaram. A partir dos anos 1970, as mulheres passaram a integrar o mercado de trabalho e ganharam outras prioridades e papéis além do casamento e dos filhos. Estudam, fazem pós-graduação, se dedicam às carreiras, ainda que nem sempre sejam remuneradas de maneira justa, faça-se a ressalva. Com isso, casam-se mais tarde, querem curtir mais a vida e o casamento e vão postergando a gravidez”, afirma César Fernandes, presidente da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia).

Para a fonoaudióloga e gerente de marketing Bia Pessoa, 41, engravidar significava perder independência e autonomia. “Tinha muitos planos e sonhos, e eu via que as pessoas que tinham filhos passavam a viver os sonhos dos outros. Só bem mais tarde pensei que seria bom poder compartilhar o que vivi com um filho, ensinar e aprender com ele.”

Praticante de crossfit, aos 39 ela parou de tomar anticoncepcional com o objetivo de ficar mais forte. Mesmo assim, achou que a gravidez não viria tão facilmente, por causa de seu percentual de gordura baixo.

O teste de gravidez positivo não foi digerido facilmente. “Surtei, fiquei assustada. Achei que ainda ia demorar. Meu namorado ficou radiante e eu nessa confusão de sentimentos. Mas e o campeonato de crossfit? E a viagem planejada? E a cerveja no verão? Achei que era um presente de Deus ter engravidado de forma natural aos 39, mas ao mesmo tempo sofria de pensar nas mudanças que viriam. Demorei, mas aceitei.”

A fertilidade feminina, de fato, começa a cair a partir dos 25 anos e piora depois dos 35 —justamente a faixa de idade em que há maior crescimento de mulheres dando à luz.

A chance de uma mulher de 25 anos engravidar em um ciclo menstrual é de 20% a 25%, mas, ao longo do ano, cerca de 80% engravidam; já a chance de uma mulher de 40 anos engravidar é de 8%.

“As mulheres adiam, adiam, mas há um preço. A biologia não faz concessão. Esse cenário explica a maior procura por clínicas de fertilidade”, afirma Fernandes.

Segundo o primeiro relatório da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) do Sistema Nacional de Embriões, até 2008 o número de embriões congelados no Brasil era de 47 mil. O número subiu para 78 mil em 2017 —65% deles na região Sudeste.

Arnaldo Cambiaghi, diretor do centro de reprodução humana do IPGO (Instituto Paulista de Ginecologia e Obstetrícia), diz que a maior causa da infertilidade é a idade avançada. “Cada vez mais somos procurados por mulheres cada vez mais velhas.

Muitas chegam aos 40 querendo uma produção independente ou estão num segundo casamento. ”

Para Rui Ferriani, vice-presidente da Comissão de Reprodução Humana da Febrasgo, existe uma falsa sensação de que a fertilização in vitro corrigirá o problema. “Muitas pensam ‘tenho dinheiro, depois eu faço uma FIV’.”

Segundo ele, os resultados são de 40% para uma mulher de 35 anos, 15% para quem tem 40 anos e 4% para quem tem entre 42 a 45 anos. Os custos de cada ciclo podem ficar ao redor de R$ 20 mil.

Fernandes lembra que, da mesma forma, muitas mulheres congelam ou pensam em congelar seus óvulos imaginando que a tecnologia resolverá tudo. “Não é salvo-conduto. A chance de dar errado é maior do que a de dar certo.”

Segundo a Associação Americana de Medicina Reprodutiva, há uma probabilidade de entre 2% e 12% de que um único óvulo congelado resulte em nascimento.

Outro preço cobrado são os riscos associados à idade. Segundo Fernandes, à medida que a idade materna aumenta, a chance de ter uma criança com síndrome de Down também cresce, de cerca de um em cada 1.000 aos 30 anos para um a cada 400 aos 35 e 1 a cada 100 aos 40 anos.

Também há mais riscos de abortos espontâneos (aumento de 132% acima dos 40 anos), pré-eclâmpsia (aumento de 49%) e diabetes gestacional (aumento de 88%).

Fernandes diz alertar suas pacientes que, caso queiram ter filhos, e a maioria delas quer, que os tenham até os 35 de preferência. Mas ele sabe que o pedido é cada vez menos aceito. “O que posso indicar é que tenham bons hábitos de saúde, como manter o peso adequado, fazer atividade física, e evitar o cigarro, que é um veneno para a função ovulatória.”

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