‘A ênfase nos atributos pessoais de líderes mulheres serve apenas para enfraquecê-las’, diz especialista do King’s College

03 de maio, 2019

Rosie Campbell, diretora do Instituto Global de Liderança Feminina, afirma que são os membros dos partidos locais, e não os eleitores, são menos propensos a escolher mulheres

(O Globo, 03/05/2019 – acesse no site de origem)

No dia 3 de maio de 1979, Margaret Thatcher era eleita para governar o Reino Unido — uma liderança conservadora e controversa que se estendeu por 11 anos e mudou o país. Thatcher foi a primeira mulher a governar uma grande potência ocidental, mas não abriu espaço para a ascensão feminina na política britânica, que demorou quase 40 anos para eleger outra mulher, Theresa May. O que mudou desde então?

A diretora do Instituto Global de Liderança Feminina do King’s College, Rosie Campbell, refletiu sobre os avanços e os persistentes obstáculos do tempo que separa Thatcher de May.

Quarenta anos após a eleição de Margaret Thatcher, mulheres no poder continuam sendo minoria. Quais são os principais obstáculos que as mulheres enfrentam para alcançar posições de liderança na política num país como o Reino Unido?

As mulheres ainda representam menos de um terço dos deputados na Câmara dos Comuns, mas há uma diferença notável entre os dois principais partidos britânicos: 47% dos parlamentares trabalhistas são mulheres, contra apenas 20% dos conservadores. Isso não aconteceu por acaso. Os trabalhistas introduziram listas e cotas para garantir a representação feminina no partido. Pesquisas mostram que o problema não é que os eleitores não queiram parlamentares do sexo feminino, é que os membros locais dos partidos, ou seja, os que decidem a indicação dos candidatos, são menos propensos a escolher mulheres. Eles têm uma ideia preconcebida de quem é o “candidato ideal”. Geralmente é alguém branco, do sexo masculino, de classe média e sem deficiências físicas. Lideranças locais atuam contra medidas pela igualdade.

Além disso, há também um ponto subestimado: entrar para o Parlamento exige dinheiro, tempo, flexibilidade e redes partidárias, coisas que normalmente são muito mais difíceis para as mulheres, especialmente se tiverem filhos. Candidatas mulheres também são muito mais propensas a sofrer abuso ou assédio, o que, sem dúvida, impede que algumas delas concorram.

Thatcher não colocou os direitos das mulheres no topo de sua agenda. Quem são as mulheres que estão ajudando a mudar a imagem da liderança política feminina no mundo?

Margaret Thatcher mostrou um pouco mais de interesse pelos direitos das mulheres depois que deixou o cargo e apoiou iniciativas dentro do Partido Conservador quando já não era a líder. Há muitos exemplos atuais de mulheres na política em todo o mundo que estão inspirando novas gerações. A congressista Alexandria Ocasio-Cortez é alguém que claramente inspira jovens mulheres, e também homens, nos Estados Unidos. É um sinal de progresso o fato de que há tantas mulheres que podem ser indicadas como candidatas democratas à presidência: Elizabeth Warren, Kamala Harris, Kirsten Gillibrand e outras.

A presidente do Instituto Global para Liderança Feminina, a ex-primeira-ministra australiana Julia Gillard, também serviu de inspiração para muitas jovens. Há pesquisas interessantes mostrando que o conhecimento sobre política entre mulheres australianas aumentou significativamente enquanto ela estava no cargo, porque mais mulheres estavam prestando atenção às notícias e ao que ela dizia. Os pesquisadores sugerem que isso mostra como ter mais modelos políticos femininos poderia realmente ajudar a melhorar o conhecimento político das mulheres.

Quarenta anos separam Margaret Thatcher de Theresa May. É possível compará-las?

Há algumas semelhanças. Obviamente, ambas tiveram o seu tempo no cargo definido por disputas sobre a relação entre o Reino Unido e a Europa. Mas também há diferenças importantes: Thatcher era uma outsider que tomou o partido de assalto, enquanto May conseguiu o cargo máximo porque todos os outros candidatos a líder do Partido Conservador se autodestruíram. De certa forma, May também incorpora o chamado fenômeno do “penhasco de vidro”, no qual mulheres são alçadas a papéis de liderança em tempos de crise com uma grande chance de fracasso, como no caso das negociações do Brexit.

Uma outra semelhança entre as duas está no tratamento da mídia, principalmente no que diz respeito ao gênero. Na verdade, pesquisas sugerem que a cobertura da mídia no Reino Unido ficou mais centrada no gênero depois de Thatcher. E esse tipo de ênfase nos atributos pessoais de líderes mulheres, em vez do foco em suas políticas ou profissionalismo, serve apenas para enfraquecê-las.

Claudia Sarmento

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