Bolsonaro tem medo de mulher, por Antonia Pellegrino

21 de julho, 2019

Surfistinha é o pânico de homens como o presidente

(Folha de S.Paulo, 21/07/2019 – acesse no site de origem)

Na última quinta (18), Jair Bolsonaro disse que quer mexer na Ancine, porque não pode admitir que façam filmes como “Bruna Surfistinha” (sic).

Eu fiz o roteiro de “Bruna Surfistinha” e fui premiada pela Academia Brasileira de Cinema por este trabalho, que atraiu 2,2 milhões de espectadores, gerando uma renda de R$ 20 milhões, além de outros R$ 10 milhões em impostos, diretos e indiretos.

Sem glamorizar nem estigmatizar a prostituição, trata-se de um dos grandes “cases de sucesso” artístico e comercial de nossa indústria.

Para o deputado Bolsonaro, não havia problema em usar o dinheiro do auxílio-moradia para “comer gente”. Já para o presidente Bolsonaro, o problema do país não são os 13 milhões de desempregados nem os supostos laranjas próximos de sua família; são mulheres que fazem sexo serem representadas no cinema.

A história de Bruna Surfistinha é o pânico de homens como Bolsonaro. Não por ser a história de uma garota de programa, mas porque é a narrativa da liberação de um corpo feminino.

Bruna Surfistinha se tornou a garota de programa mais desejada de São Paulo no início dos anos 2000. Qual a mágica? Dar nota aos clientes em seu blog.

Nessa operação, a um só tempo, ela sai da condição de corpo-objeto que deve servir aos homens para a de objetificar os próprios homens. É uma profunda ruptura na lógica do patriarcado. E é precisamente isso que Bolsonaro chamou de ativismo.

Desde o início do movimento das mulheres, as ativistas e teóricas feministas viram no corpo feminino uma chave para compreender as raízes do domínio masculino patriarcal e da construção da identidade social feminina como sendo de segunda classe.

No livro “Calibã e a Bruxa”, a historiadora Silvia Federici “mostra que, na sociedade capitalista, o corpo é para as mulheres o que a fábrica é para os homens trabalhadores assalariados: o principal terreno de sua exploração e resistência”.

A resistência privada de Bruna Surfistinha, ao ganhar a tela do cinema, torna-se um exemplo de empoderamento, capaz de inspirar outras mulheres.

Bolsonaro não é o único a temer a liberação feminina. Um dos eixos da crise da democracia liberal é exatamente este. O avanço da ultradireita mundial também é uma reação à nossa emancipação galopante, fruto da quarta onda feminista que arrebatou corações e mentes.

Para homens como Bolsonaro, é preciso sufocar essa onda, acabar com este tipo de filme “ativista” para destruir este tipo de mulher “perigosa”. E, para esse objetivo, a violência não tem limites.

O uso de armas de fogo no assassinato de mulheres dentro de residências em que havia posse de armas subiu 29,8%, nos últimos dez anos, segundo o Atlas da Violência 2019. Qual a política pública bolsonarista para combater essa tragédia? Facilitar o porte de armas. Sete em cada dez (70%) brasileiros adultos rejeitam esse projeto do presidente Jair Bolsonaro —entre as mulheres o índice sobe para 78%, segundo o Datafolha.

A altíssima rejeição não impacta, o presidente toca reto. Fanatismo acima de tudo, lucro da indústria de armas acima de todos. A grande ameaça que a liberdade das mulheres oferece aos fanáticos é a igualdade. A mulher liberada não é antifamília. Muitas vezes, ela é mãe e chefe de família. Só não aceita ser tratada como menor, como objeto.

O que o presidente ignora é isto: no novo normal, só tem lugar para dois tipos de homem, em desconstrução ou em decomposição. Bolsonaro não vai durar muito.

Por Antonia Pellegrino

Nossas Pesquisas de Opinião

Nossas Pesquisas de opinião

Ver todas
Veja mais pesquisas