Apesar de política pró-agrotóxicos, margaridas resistem, por Giulliana Bianconi

28 de julho, 2019

Na Marcha das Margaridas, mulheres produtoras do campo e da floresta, indígenas e quilombolas ocuparão as ruas de Brasília, apoiadas pelas mulheres urbanas

(Época, 28/07/2019 – acesse no site de origem)

Existem poucas coincidências em Brasília. Três dias após o presidente Jair Bolsonaro afirmar que “falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira”, a lista de agrotóxicos liberados no país teve 51 novos produtos e fórmulas aprovados pelo Governo (Anvisa, Ibama e Ministério da Agricultura). Ponto para o agronegócio, que tem na ministra da Agricultura, Tereza Cristina — a líder da Bancada Ruralista no Congresso —, uma entusiasta da flexibilização das regras para fiscalização e aplicação dos agrotóxicos.

O contraponto a essa figura feminina não feminista e tudo que ela endossa à frente de um ministério pouco interessado até o momento em discutir o setor agrícola para além do agronegócio será feito por milhares de mulheres que se organizam para a Marcha das Margaridas. De acordo com as organizadoras, são esperadas 100 mil mulheres na capital federal daqui a duas semanas.

A soberania alimentar é uma das bandeiras da Marcha das Margaridas. As mulheres produtoras do campo e da floresta, indígenas, quilombolas ocuparão as ruas de Brasília, apoiadas pelas mulheres urbanas, para reivindicar um Brasil que ainda é numeroso: o dos produtores locais que querem defender sua cultura alimentar e a diversidade dos modos de distribuição e consumo dos alimentos. Uma reivindicação que fala, inclusive, sobre a gestão do campo. De acordo com dados do Censo Agro (IBGE, 2017), o campo agrário, assim como a cidade, reflete também o avanço histórico das mulheres nos espaços de produção. Entre 2006 e 2017, o total de estabelecimentos agrícolas conduzidos por produtoras saltou de 12,7% para 18,6%. Há estados em que essa taxa, de mulheres produtoras, passa dos 20%, como Bahia, Pernambuco e Maranhão.

Do estado governado por Flávio Dino, recentemente chamado de “governador de paraíba” pelo presidente da República, sairão pelo menos 70 ônibus organizados. “É o maior grupo que já foi para a Marcha das Margaridas partindo daqui do Maranhão”, me disse a professora de filosofia Lavínia Moreno. Integrante do Coletivo de Mulheres do Maranhão, do Fórum de Mulheres Maranhenses e do Fórum de Filosofia do Maranhão, ela vai pela primeira vez à Marcha — que acontece a cada quatro anos, desde 2000. “Não havia como não ir neste ano, precisamos fazer a resistência a esse governo.” Em Pernambuco, estão confirmados 42 ônibus, somando cerca de 2 mil mulheres.

“Vamos a Brasília dizer que não há o que conversar com o presidente da República”, me revelou Raisa Rabelo, que integra ainda a Marcha Mundial das Mulheres, movimento feminista iniciado naquele mesmo 2000. Ela afirma que há 19 anos, quando as duas marchas começaram, existia uma perspectiva de diálogo com o governo Fernando Henrique Cardoso, mesmo que a política econômica fosse bastante liberal. “Agora vamos lá para ocupar nosso espaço, como uma forma de protesto”, diz. Em 2015, governo Dilma, o tom era bem diferente, e representantes da Marcha das Margaridas chegaram a entregar a pauta do movimento ao então ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Miguel Rosseto.

Parte das mulheres que estarão marchando e que assumem essa face mais combativa nesta edição da Marcha produz alimento sob os conceitos da agroecologia, e isso significa que renegam sementes transgênicas e pesticidas extremamente tóxicos (na lista de 51 novos agrotóxicos aprovados recentemente, 17 estão classificados como extremamente tóxicos), prezam pela biodiversidade, pela preservação e conservação ambiental. Sem dúvida, um Brasil à parte de Brasília.

Por Giulliana Bianconi

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