Grávida, ela teve hemorragia e foi presa no hospital, acusada de aborto

29 de agosto, 2019

Em 2014, a paciente S. deu entrada com fortes dores em um hospital em Marília, interior de São Paulo. Ela estava grávida e foi atendida pelos médicos. Horas depois, saiu presa em flagrante sob acusação de ter feito um aborto.

(Univesa, 29/08/2019 – acesse no site de origem)

De lá para cá, foram anos em busca de uma indenização pelo constrangimento. A paciente não quis dar entrevista para Universa, mas a reportagem teve acesso às idas e vindas do processo que envolveu Ministério Público e a Justiça de São Paulo. Na última segunda (19), ela venceu a ação de danos morais contra o hospital. A Justiça ordenou pagamento de uma indenização de R$ 5 mil.

Ela chegou na emergência com dores, febre e taquicardia, de acordo com o processo obtido por Universa. Os médicos, então, desconfiaram que a paciente tinha ingerido medicamentos para provocar o aborto.

Além de perder filho., S. foi presa em flagrante por policiais e liberada somente no dia seguinte, por ordem da Justiça. O inquérito policial afirmou que o aborto teve causas espontâneas.

No Brasil, aborto é crime de acordo com código penal. A mulher que faz isso propositalmente pode ser presa por até três anos. O profissional que for conivente ou ajudá-la a praticar, pode ser preso por até quatro anos. A interrupção da gestação é permitida somente em casos de risco à vida da mãe, estupro e de fetos anencéfalos.

Arquiva, desarquiva

O Ministério Público pediu arquivamento do processo de S. em 2015, após concluir que as investigações não constataram crime.

A defesa pediu que o caso fosse reaberto em 2017, e a vítima fosse ressarcida por ter sido divulgada como uma “criminosa”. Os advogados tentaram processar os médicos, mas a ação não foi aceita pela Justiça. Atendendo a um pedido da defesa, o caso foi reaberto novamente.

Só na última segunda (19), cinco anos depois do ocorrido, os desembargadores da 3º Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo concluíram que o caso necessitaria de uma reparação financeira.

O desembargador Maurício Fiorito avaliou uma quebra de sigilo entre o médico e a paciente neste caso. O magistrado destacou que o Código de Ética Médica veda a divulgação de informações privadas do paciente que possam causar uma investigação suspeita de crime.

“A julgar tão somente pela constatação de quebra de sigilo profissional, entendo ser devida a condenação da autarquia ré ao pagamento de indenização por dano moral”, completou o desembargador

Mesmo vedado, médicos ainda formam maioria de denúncias por aborto

Apesar da decisão, não é incomum que mulheres com complicações na gestação sejam denunciadas por médicos sob suspeita de aborto. Em São Paulo, a maioria das denúncias por aborto é feita pelos próprios profissionais.

Para preservar o segredo médico, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) proíbe denunciar qualquer caso de aborto à polícia. Isso só deve acontecer caso possa proteger terceiros, como uma criança que sofra violência física, ou em casos autorizados pela paciente. O parecer foi reforçado após um médico de São Bernardo do Campo, região metropolitana de São Paulo, acionar policiais para prender uma paciente que abortou intencionalmente em 2015.

O Cremesp não informou se os médicos envolvidos na prisão de S. — um pediatra e uma ginecologista — foram investigados ou punidos. A informação será atualizada assim que a reportagem receber uma resposta da instituição.

(Atualização: em nota, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo informa que os médicos em questão respondem a processos ético-profissionais que tramitam sob sigilo determinado por lei e dentro dos prazos)

Por Marcos Candido

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