Como aconteceu com Joice Hasselmann: o que é violência política de gênero?

23 de outubro, 2019

A crise no PSL, envolvendo apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, de um lado, e o presidente do partido, o deputado federal Luciano Bivar, de outro, resultou em uma situação inusitada, mas já conhecida das mulheres que escolhem seguir a vida pública: a violência política de gênero. O alvo foi a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP), que criticou o partido e sofreu ataques relacionados à sua aparência de políticos da própria legenda. Em entrevista ao programa “Roda Viva” (TV Cultura) nesta segunda (21), ela comentou sobre a repercussão na internet: “São ataques muito baixos, muito sujos, fazendo montagem minha com imagem de bicho, com corpo de porco”.

(Universa, 23/10/2019 – acesse no site de origem)

A violência política de gênero é caracterizada por comportamentos ofensivos, perseguições e agressões cometidos contra políticas mulheres especificamente por serem do sexo feminino. “As ofensas no embate político são comuns, mas, enquanto o homem é chamado de ladrão ou de burro, a mulher é atacada por questões pessoais, normalmente relacionadas à aparência e a um suposto descontrole emocional. Então é sempre a gorda, a feia ou a louca, a histérica”, afirma a advogada Maíra Recchia, secretária-geral da Comissão de Direito Eleitoral da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) São Paulo e integrante da Rede Feminista de Juristas.

Um projeto pioneiro que ajudou a popularizar o termo foi uma lei de 2012, criada na Bolívia, para combater o assédio e a violência política contra mulheres. Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), é a primeira e única legislação específica em todo o mundo.

Maíra ressalta que, além desses ataques explícitos, há situações veladas. “Quando, por exemplo, os partidos não repassam verba às mulheres, não as colocam em posições de tomada de decisão ou as perseguem. Quando, mesmo filiadas, elas são negligenciadas”, explica. Maíra cita um caso de 2017, em que conseguiu autorização da Justiça para que a vereadora Beth Manoel (PSL), da cidade de Itapira, no interior de São Paulo, pudesse se desfiliar do PSDB sem sofrer sanções, após ser perseguida e difamada por colegas de legenda por querer assumir um posto de liderança na Câmara de Vereadores. “É o tipo de situação que nunca vi acontecer com homens.”

Casos de violência política de gênero são mais comuns do que se imagina. Conheça alguns episódios recentes:

Joice Hasselmann: chamada de “biscate” e “Peppa Pig” por colegas do próprio partido

Em setembro de 2018, ainda durante a campanha eleitoral, Joice foi chamada de “biscate” no Twitter pelo também candidato a deputado federal Alexandre Frota, então colega de partido (Frota passou para o PSDB após expulsão do PSL). Ele se desculpou e apagou a mensagem. A parlamentar voltou a ser atacada no sábado (19) por um colega de partido, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, com quem vive uma queda de braço. Eduardo se referiu a ela como “Peppa Pig”. “Ele poderia ter dito diversas coisas sobre ela, mas escolheu a aparência. Também usam ‘louca’ e ‘desequilibrada’. São sempre xingamentos relacionados ao feminino”, afirma Maíra.

Em junho deste ano, Frota atacou outra colega deputada, Sâmia Bomfim (PSOL-SP), chamando-a de “hamburgão da Câmara” no Twitter. Mais uma vez se desculpou e apagou a postagem. “Ele me procurou e disse que aquilo não voltaria a acontecer”, disse Sâmia em entrevista a Universa.

Críticas a roupas: muito colorida, muito decotada

Em setembro, a deputada estadual pelo Rio de Janeiro Dani Monteiro (PSOL) denunciou o colega do PSL Alexandre Knoploch ao Conselho de Ética da Assembleia Legislativa do estado depois que o parlamentar criticou, durante uma fala no plenário da casa, as roupas coloridas que a deputada vestia.

“Estão fazendo isso aqui de ‘Escolinha do Professor Raimundo’. Inclusive, denegrindo a imagem das mulheres. Existem formas de estar neste parlamento, e de vestimenta. Isto aqui não é ‘Chiquititas’, não é ‘Carrossel’ (?). Temos que levar isso aqui com seriedade”, disse o deputado.

Em fevereiro, a deputada estadual Paulinha (PDT-SC) tomou posse do cargo com um macacão vermelho decotado, foi ofendida e chegou a ser ameaçada por causa da roupa escolhida. Paulinha foi a quinta pessoa mais votada do estado para o cargo e já tinha um histórico de aprovação na política: foi prefeita de Bombinhas (SC), reeleita em 2017 com 73% dos votos para o mandato que abdicou ao concorrer como deputada. “A participação da mulher na sociedade é tão minúscula que um decote pode ficar enorme. Vou continuar vestindo o que eu quero”, disse, em entrevista a Universa.

Não é porque sou mulher que vocês vão falar o que quiserem”

Em maio deste ano, a deputada Geovania de Sá (PSDB-SC) presidiu uma sessão na Câmara dos Deputadas e foi ofendida pelo deputado Expedito Netto (PSD-RO). Aos berros, Netto se referiu a Geovania como “fraca”, pois não teria controlado uma discussão entre outros parlamentares.

“Respeito a essa presidência. Aqui não. Me respeitem! Não é só porque sou mulher que vocês vão falar o que quiserem. Deu”, disse Geovania, que recebeu palmas de outras parlamentares após a colocação.

A bancada feminina do PSDB se pronunciou publicamente e disse que não só repudiava as ofensas contra a deputada como pedia providências à secretaria-geral da mesa, “para que esse tipo de comportamento seja coibido nesta Casa, que precisa dar o exemplo à sociedade e combater qualquer tipo de preconceito de gênero, raça e religião”.

Mulheres estão nos partidos, mas não como líderes

Somente 3 dos 30 partidos com representação no Congresso têm presidentes mulheres —PT, PCdoB e Podemos. E as cúpulas têm menos de um terço de representantes do sexo feminino entre os dirigentes.

São números que não condizem com a taxa de filiações: dos 16,7 milhões de filiados a partidos no Brasil, 44% são mulheres, segundo a Justiça Eleitoral.

A falta de mulheres em posições de liderança nos partidos resulta diretamente na disparidade de divisão de verba, segundo a professora de Direito da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e pesquisadora em gênero e política Ligia Fabris. A dificuldade em acessar os recursos também é considerada uma violência política. “Mesmo os 30% obrigatórios para as candidaturas femininas são distribuídos, no geral, por homens. O que vemos é que se investe quase toda a verba em uma mulher só, é desigual e não amplia a participação feminina”, diz Ligia.

Se elas não estão no lugar da tomada de decisões, não controlam como a verba será distribuída e não escolhem quais candidatas serão aquelas em que o partido vai investir”, diz a pesquisadora. “Muitas delas relatam que não são vistas como autoridades por seus colegas para negociar, fazer alianças. E, mesmo dentro dos partidos, são assediadas sexual e moralmente.”.

“Poucas mulheres têm protagonismo nos diretórios “, afirma Maíra. “Temos uma legislação que garante a participação feminina em esferas da política, mas é boicotada, minada. Quando elas chegam nesses espaços, são ridicularizadas e sua palavra não é levada em consideração. Isso tudo é travestido de independência partidária. Mas é uma forma de violência silenciosa”, diz a advogada.

Projeto quer tornar violência política crime eleitoral

Um projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados prevê pena de três a oito anos de reclusão para quem cometer violência política “através de pressão, perseguição, assédio, ameaça, agressão, seja física ou psicológica, contra mulheres candidatas, eleitas, nomeadas ou no exercício de cargo político”. A proposta, de autoria da deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), foi apresentada em 2018 e aguarda votação no plenário da casa.

Ao justificar a necessidade da lei, no texto do projeto de lei apresentado, Cristiane dá o exemplo do que as mulheres vivem dentro do Congresso. “Episódios ocorridos no Congresso Nacional durante a votação da reforma política, em que se pleiteava a instituição de cotas de gênero para os cargos proporcionais [de cadeiras dentro do Congresso e não só para as candidaturas dos partidos], revelaram a mentalidade predominante no parlamento. O resultado da votação e as justificativas apresentadas em plenário para negar a adoção da discriminação positiva escancararam um inconsciente coletivo que nega à mulher plenitude de direitos e cidadania e o quanto soa paradoxal e injusto um parlamento majoritariamente masculino legislando para mulheres.”

Por Camila Brandalise

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