Pelo direito à vida das mulheres, por Djamila Ribeiro

06 de dezembro, 2019

Hoje é o dia da mobilização dos homens pelo fim da violência de gênero

(Folha de S.Paulo, 06/12/2019 – acesse no site de origem)

Instituído no Brasil pela lei 11.489, de 2007, o Dia Nacional de Mobilização dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres é marcado neste 6 de dezembro. Trata-se de uma data mundial criada após, em 1989, um universitário canadense de 25 anos entrar em uma sala de aula de engenharia em Montreal, ordenar que todos os homens do recinto saíssem para que ele pudesse assassinar todas as mulheres presentes, o que acabou fazendo, cometendo suicídio em seguida.

Salvo alguma movimentação incipiente, não há nas ruas nenhuma passeata, ato, ou o que quer que seja voltado a discutir a violência de homens contra mulheres em um dos países campeões de futebol e de feminicídio. Pode-se dizer, claro, que se trata de data sem adesão. Celebremos o que já se tem feito, mas que seja apontado que não há movimentação expressiva nesse 6 de dezembro, como não houve no 5 de dezembro, nem no 4 de dezembro, como não tem havido em outros dias.

Na última semana, Elitânia Souza, promissora liderança da comunidade quilombola da Vitória, no município de Cachoeira, na Bahia, e aluna do curso de serviço social da Universidade Federal do Recôncavo Baiano, foi assassinada a tiros pelo homem que no passado havia sido seu companheiro.

Contra ele, já havia uma medida protetiva decretada pela Justiça, mas que não foi qualquer impeditivo para que cometesse essa atrocidade. Mais uma voz é sufocada no país de herança patriarcal.

A universidade decretou luto, as mulheres quilombolas convocaram atos e o homem foi preso. Alguns homens aliados e politicamente empáticos ao combate a essa arquitetura de morte de mulheres à parte, pergunta-se sobre a mobilização voltada à discussão e à prática contra a violência de gênero praticada pelo grupo social masculino, que resulta em dados de extermínio.

Sim, há um processo de extermínio de mulheres em curso no país. Segundo dados colhidos na organização Artigo 19, em 2013 houve um feminicídio a cada 90 minutos no país e, em 2010, foram registrados cinco espancamentos de mulheres a cada dois minutos.

Dados recentes divulgados na pesquisa “Evidências sobre Violências e Alternativas”, desenvolvida pelo Instituto Igarapé, constatam que mulheres são a maioria das vítimas de violência no Brasil. Com exceção do homicídio, elas são as que mais sofrem violência física (73%), patrimonial (78%), psicológica (83%) e sexual (88%).

Em muitos casos, o agressor é o homem que conta com o afeto da vítima, inclusive crianças.

Vale lembrar que o Brasil é o país campeão em casamento infantil, uma violência naturalizada e sobre a qual pouco se discute ou se cria conscientização.

Antes do risco de se casar adolescente, a vida da mulher também está em risco. As principais vítimas de violência sexual, 56,4% delas, são crianças, em especial meninas. Nesses casos, os agressores são homens conhecidos (65%). No caso de mulheres adultas, homens desconhecidos estão entre 44% dos agressores sexuais.

Um olhar racial nos mostra como a situação é sobretudo mais dramática para mulheres negras. Um exemplo bem ilustrativo é o levantamento de dados após os dez anos de vigência da Lei Maria da Penha, no qual foi constatada uma redução de 10% no número de morte de mulheres brancas, ao passo que foi detectado um aumento de 54% de mortes de mulheres negras.

Várias razões podem ser apontadas para tanto, sobretudo uma falta de um olhar interseccional ao desenhar essa política pública. Quem são em geral os companheiros de mulheres negras e em que situação social elas se encontram? Como se valer de uma lei quando a relação da polícia com a realidade que elas vivem é totalmente diferente do contexto das mulheres brancas?

Mulheres negras são mães, irmãs, companheiras de homens negros, alvos preferenciais da política de segurança pública, havendo a necessidade de contemplar essa realidade ao se desenhar uma política pública de assistência a essas mulheres.

Certamente há a necessidade de um olhar dos gestores públicos a essas questões, embora saibamos estar sob um governo sem compromisso com essa agenda.

Exatamente por isso, reforça-se à sociedade civil, às organizações e aos homens em geral, beneficiários do sistema patriarcal e que se põem contra essa estrutura de opressão que tem assassinado mulheres, a pergunta: o que vocês podem fazer para colaborar nessa luta?

É necessário responsabilidade para trabalhar pela mudança de um cenário tão dantesco.

Por Djamila Ribeiro

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