Campanha sobre violência contra a mulher quer pregar para não convertidos

09 de dezembro, 2019

Como engajar homens em causas cujas soluções, primordialmente, dizem respeito a mulheres? Em tempos de comunicação digital e redes sociais, a questão poderia ser outra: como pregar para não convertidos –ainda mais quando o assunto é violência de gênero?

(Universa, 09/12/2019 – acesse no site de origem)

Um dos dilemas modernos do movimento feminista é também o de ativistas que lutam pelo fim da violência contra as mulheres, problema que coloca o Brasil nas piores posições de rankings internacionais. Não é para menos: segundo o Ministério da Saúde, no país, a cada quatro minutos, uma mulher é agredida por um homem e sobrevive. Só em 2018, por exemplo, foram registrados mais de 145 mil casos de violência –física, sexual, psicológica e de outros tipos– em que as vítimas sobreviveram.

Na busca por ampliar o leque de agentes sociais que falem a seus grupos sobre a importância de se combater a violência contra a mulher, ativistas e autoridades lançam nesta segunda-feira (9), em São Paulo, a campanha #a_gente. A iniciativa é do Núcleo de Gênero do MP-SP (Ministério Público de São Paulo) e da plataforma Free Free, que busca acolher mulheres em situação de vulnerabilidade social e resgatar a autoestima delas por meio da moda.

O lançamento vai reunir homens que lidam com a questão da masculinidade tóxica e que falam, sobretudo, para homens. Entre os convidados também estão ativistas LGBT e mulheres de diferentes extratos, raças e etnias –entre as quais se inserem homens e mulheres trans, indígenas, asiáticas, negras.

Problema da violência contra a mulher é de todos

Tal qual a hashtag que a batiza, a campanha quer se espalhar no ambiente das redes e atingir um público ainda mais variado do que o que compõe a programação do evento, que acontece na sede do MP, no centro de São Paulo, às 10h. Acontece, aliás, praticamente na sequência do Dia Nacional de Mobilização dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres, 6 de dezembro. A data foi instituída no Brasil pela lei 11.489/2007, acompanhando as celebrações dela pelo mundo.

A Universa, a coordenadora do núcleo de gênero do MP-SP e professora da PUC-SP, Valeria Scarance, explicou que a proposta é reunir diversidades –de identidades de gênero, orientação sexual, experiências de vida– para reforçar o espectro de luta contra a violência à mulher.

“A gente precisa romper o binarismo de que o enfrentamento à violência contra a mulher é um desafio unicamente delas. Mesmo porque esse é um tipo de violência que afeta sobretudo as mulheres, mas não apenas elas. Daí a importância de se engajar todas e todos para a mudança, cada um com suas expertises e olhares”, diz.

Segundo a promotora, a ideia de convidar homens que tratem de masculinidade é um dos focos dessa abertura de leque de fala —são, segundo ela, “homens que falam com homens, que têm protagonismo com homens”.

“Eles são chamados a participar à medida que fazem parte desse processo de mudança. E uma das condutas mais efetivas para mudar o comportamento da masculinidade tóxica, que causa dor e sofrimento, é a conversa entre eles.”

Sensibilizar quem está de fora

Indagada sobre se o enfrentamento desse tipo de violência, até então, pregou mais para as convertidas à causa do que, necessariamente para agentes que causam, efetivamente, a dor, a promotora reconhece que sim.

“Nesses últimos anos, o enfrentamento teve grandes conquistas, de modo que muitas violências contra a mulher puderam se tornar visíveis —temos aí as leis Maria da Penha [de 2006] e de Feminicídio [2015]. Mas não acho que toda a sociedade tenha se conscientizado ainda do problema, especialmente homens que sustentam e defendem a superioridade masculina em seu papel social”, diz. “Falar para quem já entende a importância do assunto é preciso, mas há que se falar também a quem não conversava sobre isso e precisa ser sensibilizado, tocado, mesmo.”

Um dos entraves que a promotora vê à modificação de comportamentos ainda nocivos às mulheres é o machismo estrutural e estruturante, que tenta mascarar ou banalizar as diferenças impostas a elas no ambiente social.

“Esse é um tipo de problema no qual homens e mulheres tendem a naturalizar e perpetuar a violência de gênero. Afinal, infelizmente, muitas mulheres ainda reproduzem o comportamento machista e de julgamento moral sobre mulheres vítimas de violência”, acrescenta.

Os convidados são todos, de acordo com a coordenadora do Núcleo de Gênero do MP, “pessoas que têm influência social e voz perante seus pares”.

“Todas essas pessoas representam uma voz, um lugar de fala. Justamente porque, assim, podem levar essa mensagem e envolver outros na campanha –rompendo, com isso, essa barreira de ‘feminismo branco’, ‘feminismo negro’. A gente precisa ampliar o diálogo.”

A diretora criativa da plataforma Free Free, Yasmine Sterea, reverbera: “Precisamos entender que a violência contra a mulher e a desigualdade de gênero não são lutas apenas delas, dores delas, mas dores também deles se reproduzem uma masculinidade tóxica”.

Diversidade de participantes

Entre os participantes, estarão a fundadora da Rede Mulheres Empreendedoras, Ana Fontes, o CEO da JWT, Ezra Geld , o professor de filosofia e sociologia e um dos cofundadores da Campanha do Laço Branco no Brasil – Homens pelo Fim da Violência Contra a Mulher, Sérgio Barbosa, além do coach Thiago Arruda, da articuladora social e ativista LGBT Laura Prevato e do massoterapeuta Felipe de Lima Silva, que coordena o grupo Ressignificando Masculinidades e integra o Fórum Paulistano de Gênero e Masculinidades.

Por Janaina Garcia

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