Violência de gênero entra no debate empresarial

20 de janeiro, 2020

Ações começam com a abertura para falar sobre o tema

(Valor Econômico, 20/01/2020 – acesse no site de origem)

Mais de 100 empresas assinaram a Coalizão Empresarial pelo Fim da Violência Contra as Mulheres, que tem o apoio da ONU Mulheres e da Fundação Dom Cabral, desde agosto passado. A Avon, que já havia reformulado suas políticas internas sobre o tema em 2017 após ter uma de suas funcionárias morta pelo companheiro, é a idealizadora do grupo. “Começamos a ver muitas empresas querendo falar sobre isso, tanto grandes quanto pequenas”, diz Mafoane Odara, gerente do Instituto Avon. “Elas querem encontrar uma linguagem para traduzir para o mundo corporativo o que significa enfrentar a violência.”

A preocupação tem origem nos elevados números de violência contra a mulher. O Brasil alcançou, em 2018, a média de um caso de violência doméstica a cada dois minutos, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O mesmo relatório apontou aumento de 4% no número de feminicídios em relação a 2017, com 1.206 casos registrados no país em 2018. O Brasil, aliás, já foi considerado o quinto mais violento do mundo contra as mulheres pelo Mapa da Violência, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais. Ao mesmo tempo, 60% da força de trabalho no Brasil é feminina.

Ainda assim, apenas 25% das 311 empresas ouvidas em uma pesquisa recente sobre o tema afirmaram monitorar e atuar nos casos de mulheres que sofrem violência. As principais ações e políticas adotadas são canal de denúncias (38%), campanhas de conscientização e sensibilização (32%), canal de ouvidoria para apoio à mulher (25%), apoio jurídico (17%) e psicológico (14%).

O levantamento, feito pela consultoria de recrutamento Talenses em parceria com o Instituto Maria da Penha, Instituto Vasselo Goldoni e ONU Mulheres, buscou entender como as empresas lidam com o tema. “É um número baixo de empresas preocupadas, mas já representa algum avanço”, diz Edna Goldoni, fundadora do Instituto Vasselo Goldoni, dedicado ao empoderamento feminino. Uma das motivações para a pesquisa, explica Edna, surgiu quando o tema foi abordado em um fórum promovido por ela com mais de 200 líderes de negócios. “Percebi que as empresas tinham vontade de se envolver com o tema, mas não sabiam por onde começar.” Junto com a pesquisa foi lançada a plataforma Rota VCM, que reúne dados de violência contra a mulher e ações realizadas pelas empresas, além de cartilha de orientações.

A iniciativa faz coro a um apelo antigo: o envolvimento das empresas no combate à violência contra a mulher. “Uma das questões que a gente mais bate na tecla desde que a lei [Maria da Penha, de 2006] foi criada é que, quando a trabalhadora apresenta um atestado médico e falta por conta da violência, quem tem a ver com isso é o RH”, diz Regina Célia, vice-presidente do Instituto Maria da Penha. “Mas a gestão de pessoas não está habilitada para identificar as mulheres que estão indo trabalhar e estão vulneráveis.”

O estudo da Talenses mostrou que 68% das empresas acreditam que é responsabilidade delas encaminhar casos de violência sofrida por suas funcionárias. Segundo Rodrigo Vianna, diretor da consultoria, as medidas iniciais seriam simples: campanhas de educação e oferta de canais seguros para que as mulheres possam buscar ajuda. Isso contribuiria, inclusive, para oferecer oportunidades de fato mais igualitárias. “Muitas mulheres deixam de entregar e produzir tanto quanto poderiam porque sofrem com violência e ameaças em casa”, diz Vianna.

“É uma questão de estratégia, mas também de humanizar a gestão”, diz Edna. Ela lembra que 30% das mulheres nas empresas já sofreram algum tipo de violência. O número é de uma pesquisa feita em 2016 pelo Instituto Maria da Penha em parceria com a Universidade do Ceará. O mesmo estudo mostrou que as mulheres nas capitais nordestinas se ausentam do trabalho, em média, 18 dias por conta da violência.

Ao mesmo tempo em que o tema vem ganhando mais atenção, ainda é considerado tabu. “A primeira barreira a ser transposta é começar a falar no assunto de forma transparente e entender que essa é uma realidade”, diz Andreia Dutra, diretora-presidente da Sodexo On-Site, unidade de negócios da Sodexo. Para ela, promover esse tema era fundamental, já que entre os 44 mil funcionários da empresa, cerca de 30 mil são mulheres. “Falar de empoderamento e equidade com mulheres líderes já é uma coisa que tratamos de forma bem natural”, diz Andreia. “Mas precisávamos atingir a base.”

Em 2014, a empresa lançou um vídeo para explicar o que é a violência contra a mulher, junto com um canal de denúncias para que as funcionárias pudessem buscar ajuda na própria empresa. Desde então, as campanhas educativas são reforçadas anualmente. “Houve uma certa resistência, não somente com o tema da violência, mas também em relação ao equilíbrio de gênero”, diz. “A gente tem que envolver os homens e trazê-los para o debate, oferecer informações, dados e relatos que mostrem que não é ‘mimimi’ de mulher.”

Mesmo entre as mulheres esse é um tema que carrega vergonha. Segundo Andreia, as ações educativas levaram a casos como perceber que uma das funcionárias faltava toda segunda-feira para esconder os hematomas da violência sofrida no domingo. O objetivo agora é conseguir aumentar a adesão ao canal – no último ano foram 11 denúncias registradas. “São poucas perto do número de mulheres que temos, então queremos fazer um canal exclusivo para conseguir aumentar a adesão”, diz.

Para Regina, do Instituto Maria da Penha, a necessidade é de sensibilizar empresas, líderes e funcionários, e isso vem acontecendo, segundo ela, pela via do empoderamento feminino, assunto menos difícil de abordar. “Quando viramos o discurso para falar de autonomia e empoderamento das mulheres, a adesão é maior.”

Na Avon, por exemplo, o tema já era tratado há dez anos por meio do Instituto Avon, mas o assassinato da funcionária em 2017 fez a empresa perceber que o canal disponível não era suficiente. “Percebemos que nem o RH, nem o pessoal que atendia por meio do programa de apoio, eram treinados para fazer perguntas específicas”, diz Mafoane. Segundo ela, casos em que mulheres faltavam por problemas de violência não eram identificados por falta de informação e educação sobre o tema.

“A ideia é ajudar os funcionários a identificar sinais potenciais de violência para impedir que se chegue a um caso mais extremo”, diz Mafoane. O programa, chamado de “Você não está sozinha”, foi dividido em três pilares. O primeiro é o da prevenção, em que os funcionários são capacitados para identificar violências e situações potenciais. Há treinamentos obrigatórios inclusive para que líderes estejam preparados para identificar sinais nas suas equipes. O segundo pilar, intervenção, aborda a conduta depois que um caso de violência é detectado e, finalmente, há o pilar de proteção. Foi criado também um fluxo de emergência destinado a lidar com as situações, e uma psicóloga foi contratada para atuar dentro da empresa, atendendo os casos de violência. Um grupo de apoio jurídico também foi implementado.

As iniciativas vêm dando resultado. Em 2017, 13 casos haviam sido mapeados. O número triplicou com a detecção de sinais mais sutis, o que levou a identificar situações que antes passavam despercebidas. Hoje, há entre 10 e 15 episódios relatados por mês. “Os casos têm chegado em estágios iniciais, quando a mulher relata a violência antes que ela evolua”, diz Mafoane.

Por Bárbara Nór

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