Conheça Maria Capitu, a robô do Estadão que monitora projetos de interesse das mulheres no Congresso

08 de março, 2020

Temas como feminicídio, igualdade no mercado de trabalho e licença-maternidade estão entre os prioritários para acompanhamento no Twitter

(Estadão.com, 08/03/2020 – acesse no site de origem)

Crimes de feminicídio devem ser inafiançáveis, sem possibilidade de prescrição, como prevê um projeto em tramitação no Congresso? Há especialistas que criticam a proposta, afirmando que o texto teria pouco efeito prático e pode até ser negativo, uma vez que a Justiça deixaria de ter prazo para punir os agressores. Existem também as que concordam. É justamente para fomentar discussões como essa que o Estado lança hoje, no Dia Internacional da Mulher, a robô Maria Capitu, que vai monitorar no Twitter pautas que podem ter impacto na vida das brasileiras.

Um novo tweet será gerado toda vez que um projeto de interesse feminino for proposto na Câmara ou no Senado. A robô também vai apontar alterações e inclusões em leis já existentes, como a Maria da Penha. A mensagem informa o tema e o autor da proposta, e inclui o link para que o leitor tenha acesso à íntegra do projeto. Como conteúdo adicional, Maria Capitu vai sugerir reportagens sobre o tema publicadas no Estadão.

Entre os assuntos prioritários para acompanhamento estão feminicídio e violência doméstica, além de pautas com impacto na vida cotidiana e na carreira das brasileiras, como concessão de licença-maternidade, igualdade de oportunidades no mercado de trabalho e regras para mulheres em concursos públicos. O projeto foi desenvolvido pela jornalista Carla Miranda, editora de Capitu, e pelo repórter Cristian Favaro, do Broadcast/Agência Estado.

“O jornalismo tem uma importância imensa nessa função de informar, de aproximar a população dessas propostas”, diz Silvia Chakian de Toledo Santos, promotora de Justiça do Grupo Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Gevid), do Ministério Público do Estado de São Paulo. “É uma forma de a sociedade estar por dentro, acompanhar o debate que deve ser feito e avaliar essas iniciativas.”

A robô Maria Capitu permitiu, por exemplo, que esta reportagem fosse realizada. A partir dos mais de 300 tweets produzidos na fase de teste, iniciada em outubro, selecionamos oito desses projetos de lei com potencial de impacto para as mulheres. A nosso pedido, cinco especialistas avaliaram as propostas para dar mais perspectiva ao debate público.

Além de Silvia Chakian, foram ouvidas Raquel Kobashi Gallinati, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, a professora de Direito Maíra Zapater, da Unifesp, Érika Bueno, advogada do Centro de Defesa da Mulher, e Marília Golfieri Angella, coordenadora da área socioambiental e pro bono do WZ Advogados, e pesquisadora da FGV. “Mesmo pensando pelo lado acadêmico, a robô ajuda bastante na realização de pesquisas empíricas”, diz Marília. “Vejo muita aplicabilidade para nós, advogados, por exemplo.”

PEC 75/2019

O QUE É

A PEC prevê tornar a prática do feminicídio inafiançável e imprescritível, sujeita à pena de reclusão. Apresentada pela senadora Rose de Freitas (Pode-ES), a PEC 75 foi aprovada no Senado em novembro e seguiu para análise na Câmara dos Deputados.

Maria Capitu

O QUE DIZEM AS ESPECIALISTAS

Silvia Chakian. A pena prevista para o feminicídio é alta. A regra para prescrição desses crimes também é de muito tempo. Logo, o efeito prático (da PEC) é pouquíssimo ou nenhum.

Maíra Zapater. O feminicídio já é sujeito à pena de reclusão, porque é uma espécie de homicídio qualificado, que o legislador considera mais grave, levando a penas de 12 a 30 anos. Em muitas situações, também já é inafiançável, dependendo de questões processuais. Já a imprescritibilidade é uma medida bastante negativa. Em um primeiro momento, as pessoas podem pensar: “Se o crime é imprescritível, vamos conseguir punir mais”. Mas a realidade é que o Estado deixará de ter prazo para executar essa punição. Um exemplo: se o delegado tem na mesa um inquérito de roubo, que prescreve, e outro sem possibilidade de prescrição, ele vai dar prioridade ao que tem prazo definido. E o imprescritível vai demorar mais a ser investigado. Com isso, pode ser que os vestígios desapareçam, que você não consiga mais localizar testemunhas. Não é vantagem tornar um crime imprescritível, até porque os prazos prescricionais atuais já são superlongos. Me parece uma medida populista.

Raquel Kobashi. Temos de falar do feminicídio como homicídio. Tem de ser punido na mesma proporção. Quando a gente fala em feminicídio ser inafiançável, ele já é quando é um crime doloso.

Marília Golfieri. Apesar dos avanços na proteção legal da mulher vítima de violência doméstica, com agravamento de pena ao agressor, por exemplo, o número de casos continua crescendo. Acredito que tenhamos de discutir programas mais estruturais e sociais mesmo, como palestras de sensibilização e fortalecimento da rede de apoio público à mulher.

Erika Bueno. Concordo com a proposta, uma vez que o número de casos só aumenta e precisamos de um olhar mais severo da legislação com relação a estes crimes.

PL 519/2020

O QUE É

A proposta prevê a possibilidade de registros de atos de violência doméstica em fotos ou vídeos configurarem flagrante. Para isso ocorrer, bastaria que o material fosse entregue à autoridade policial.

Maria Capitu

O QUE DIZEM AS ESPECIALISTAS

Raquel Kobashi. Todos os fatos que chegam até o delegado de polícia que não configuram flagrante são averiguados e investigados, farão parte de um inquérito policial e futuramente podem indiciar aquele que é acusado. Em toda situação, a gente tem de ver qual é a veracidade do vídeo, se foi manipulado ou não.

Maíra Zapater. Não vejo muito sentido em criar mais uma possibilidade de flagrante, que já é, em si, uma prisão excepcional. Já existe a possibilidade jurídica de o juiz entender, a partir do vídeo, que é caso de prender aquela pessoa, de ser uma prisão com ordem judicial, com mandado, sem necessidade de alteração do dispositivo da prisão em flagrante.

Marília Golfieri. Com o avanço da tecnologia, muitas mulheres de fato usam artifícios tecnológicos para se proteger e denunciar seus companheiros. O fato de um eventual video de flagrante poder ser usado como uma prova para conferir celeridade à aplicação de medidas protetivas de urgência, afastando o agressor do lar, mostra-se uma ferramenta efetiva para tirar a mulher dessa situação e ajudá-la a romper o ciclo da violência.

PL 1822/2019

O QUE É

O projeto propõe que os crimes de violência doméstica e familiar passem a correr em segredo de Justiça.

Maria Capitu

O QUE DIZEM AS ESPECIALISTAS

Raquel Kobashi. Vejo que a proposta beneficia mais o criminoso de que a própria vítima. A partir do momento em que, por mais paradoxal que seja, você esconde o crime, você protege aquele que pratica o crime e não a vítima. O crime deve ser exposto e noticiado, para que a vítima fique mais protegida.

Maíra Zapater. A maior parte desses processos já corre em segredo de Justiça porque frequentemente há crianças envolvidas, agressões de cunho sexual ou questões de direito familiar. É um projeto redundante, que não tem impacto na segurança das mulheres.

Silvia Chakian. Sou a favor do segredo de Justiça para os processos de violência doméstica, mas isso já é feito. Os juízes já decretam o sigilo nesses casos.

Marília Golfieri. Na prática, isso já ocorre. Logo, a necessidade de um projeto de lei que imponha o segredo de Justiça nesses casos é discutível, assim como sua aplicabilidade.

PL 5013/2019

O QUE É

Tem como objetivo criar um Cadastro Nacional de Pessoas Condenadas por Crime de Estupro, com dados individualizados dos infratores.

Maria Capitu

O QUE DIZEM AS ESPECIALISTAS

Raquel Kobashi. Precisaríamos de um cadastro nacional de pessoas condenadas por todos os tipos de crimes, não só o de estupro. A partir do momento que a gente dá exclusividade, uma atenção especial para determinado delito, a gente comete injustiça de deixar de lado outros delitos.

Maíra Zapater. É um projeto bastante questionável quanto à constitucionalidade. Qual seria a finalidade do cadastro? Como isso atuaria de forma preventiva? A gente partiria da premissa de que todos os condenados ou condenadas por crime de estupro são reincidentes em potencial? O que vai ser feito com esses dados? Acho que tem toda uma questão de direito à privacidade, de sigilo de dados. Além disso, vamos criar um estigma perpétuo pra quem for condenado por crime de estupro? Isso de forma nenhuma significa que estou retirando a gravidade do crime, mas penso em qual é de fato o efeito preventivo de se criar esse cadastro a custo de violar direito desses condenados por estupro.

Érika Bueno. Sou contra um cadastro nacional. Estaríamos estigmatizando homens pobres ou será que esse cadastro incluiria os poderosos também? Fora que poderia inviabilizar as denúncias das mulheres, pois o estuprador, em sua grande maioria, é alguém muito próximo da vítima. Combater a violência sexual não é expor as partes.

PEC 176/2019

O QUE É

Propõe que os pais trabalhadores compartilhem os dias correspondentes ao período de licença-maternidade. Caberia aos dois decidir como seria a divisão da licença. Hoje, a legislação brasileira prevê cinco dias de licença-paternidade, embora algumas empresas já tenham ampliado para 20 dias.

Maria Capitu

PEC 176/2019 (https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/139435 ), que permite ao pai e à mãe trabalhadores a fruição compartilhada e alternada dos dias correspondentes ao período de licença maternidade, avançou. Confira também este texto do @estadao: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,nao-e-a-mamae-mas-e-o-papai,70002318458 

O QUE DIZEM AS ESPECIALISTAS

Raquel Kobashi. Se for para ampliar a licença do pai, perfeito. Mas se for para diminuir a licença da mãe ou compartilhar, não concordo. A mãe deve continuar com a licença e o pai deve ter a licença ampliada.

Maíra Zapater. De todos os projetos, esse é o que de fato me parece mais interessante, o que mais pode atuar no campo preventivo. Embora não seja uma medida pensada especificamente para violência doméstica, é um projeto de lei que permite o início de uma mudança cultural. A mudança de pensamento das relações entre gêneros, da simetria de poder, a quem cabe o cuidado da criança, quem vai reduzir o tempo no mercado de trabalho para ficar em casa cuidando da família. Isso é algo que tem um potencial transformador muito maior do que as leis penais.

Marília Golfieri. É uma tendência mesmo que a licença possa ser gozada de forma equânime pelos genitores, sejam eles pai e mãe, ou qualquer outra composição familiar.

PL 64/2020

O QUE É

Reforça a importância de combater a violência contra a mulher em meios digitais. Uma das medidas é a de que, para efeito de prova contra o agressor, o juiz poderá determinar a quebra de sigilo eletrônico do acusado. O projeto foi apensado ao PL 6622/2013.

Maria Capitu
@mariacapitu

PL 64/2020 (http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1854223 ), que altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 para dispor sobre a violência contra a mulher por meios digitais e dá outras providências, avançou. Confira também este texto do @estadao: https://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,em-tres-meses-mais-de-330-mulheres-foram-vitimas-de-importunacao-sexual-em-sao-paulo,70002741029 

O QUE DIZEM AS ESPECIALISTAS

Raquel Kobashi. Concordo de forma integral que a punição para qualquer tipo de violência contra a mulher seja severa.

Érika Bueno. A Lei Maria da Penha já permite que a gente denuncie o agressor quando ele se utiliza da internet para expor a mulher. Temos casos em que o agressor coloca no grupo da família que se separou porque desconfia que o filho do casal não seja deles. Isso é uma violência moral. O que seria interessante explorar mais nesse sentido seria a apreensão de computadores, celulares, ou que a gente tivesse alguma restrição mais severa com relação ao uso de redes sociais por esses agressores.

PL 5254/2019

O QUE É

O projeto prevê que agressores de mulheres sejam monitorados eletronicamente. O objetivo é aumentar a eficiência das medidas protetivas de urgência em casos de violência doméstica e familiar. Em 2018, a desembargadora Nágila Brito, presidente da Coordenadoria da Mulher do Tribunal de Justiça da Bahia, determinou o uso de tornozeleiras eletrônicas em homens acusados de violência contra a mulher no Estado.

Maria Capitu
@mariacapitu

PL 5254/2019 (http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1812667 ), proposto por Edna Henrique, tramitou na Câmara. O projeto fala sobre violência doméstica. Aproveite e confira também esta reportagem do @estadao: https://tv.estadao.com.br/cidades,como-funciona-a-lei-maria-da-penha,727397 

O QUE DIZEM AS ESPECIALISTAS

Raquel Kobashi. Considero muito bom para que as protetivas não sejam quebradas e crimes de desobediência não sejam praticados. Acho que também seria uma possibilidade a mais de controlar o infrator, para que ele não cometa o crime. Se o Estado tiver a estrutura para proporcionar isso, seria uma ampliação positiva.

Maíra Zapater. Acho interessante como uma medida emergencial, em especial para mulheres em alto risco de feminicídio. A gente precisaria verificar na prática como se aplicaria, quais seriam os casos, se há tornozeleira eletrônica para todo mundo, porque muitos Estados não dispõem de tornozeleiras em quantidade suficiente. Mas não seria necessário ter esse acréscimo na lei. O código de processo penal já prevê o monitoramento eletrônico.

Silvia Chakian. Sou a favor do monitoramento eletrônico. Isso é um avanço. Mas o nosso maior problema está na implementação das políticas. Às vezes, se tem a ilusão de que vamos diminuir os índices de crimes fazendo mais leis. Isso não é verdade. Já temos um arcabouço legislativo bastante significativo e importante. A gente precisa é ir além, fazer um debate maior na sociedade. Precisamos de políticas de educação e de mais ferramentas de capacitação dos profissionais que estão no sistema de Justiça, por exemplo. Não adianta incrementar as leis se nas delegacias a gente não tem profissionais em número suficiente ou eles não estão capacitados.

Marília Golfieri. A efetividade das medidas protetivas é algo que realmente precisamos discutir. Isto porque muitas vezes a mulher é surpreendida pelo agressor na rua ou através de contatos de terceiros. O monitoramento eletrônico, portanto, pode trazer melhorias ao sistema de proteção às vítimas. Essa ferramenta pode, inclusive, ser interligada com aplicativos como o SOS Mulher, que é fruto de uma parceria entre o Governo e o TJSP, que prioriza atendimento das vítimas e possibilita que a mulher com medida protetiva peça socorro quando estiver em perigo.

PL 29/2020

O QUE É

Define que histórico de violência doméstica ou familiar é um impeditivo para a concessão de guardas compartilhadas. Para isso, o juiz deverá indagar as partes envolvidas e o Ministério Público.

Maria Capitu
@mariacapitu

PL 29/2020 (http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1854124 ), proposto por Denis Bezerra, tramitou na Câmara. O projeto debate o tema violência doméstica. Confira também esta reportagem do @sigacapitu https://arte.estadao.com.br/focas/capitu/materia/major-denice-e-seu-jogo-contra-a-violencia-domestica 

O QUE DIZEM AS ESPECIALISTAS

Maíra Zapater. São pontos que já deveriam fazer parte do que se conversa em uma audiência de guarda, em especial se já houver processo de violência doméstica. Teria de ver na prática como é que isso seria, se a mulher teria direito de ser ouvida separadamente do companheiro ou ex-companheiro, qual vai ser a dinâmica dessa audiência. Pode ser interessante para situações específicas de alto risco, mas também não é uma medida preventiva para que deixe de acontecer.

Érika Bueno. A necessidade de reconhecer e avaliar a situação de violência doméstica para concessão de guarda e de visita é fundamental. A gente precisa ter um olhar mais atento a esse projeto, porque de fato vai gerar uma consequência positiva. Quando a mulher decide romper o ciclo da violência, os companheiros acabam se utilizando dos filhos para ter uma certa proximidade com a vítima. Além disso, sabemos que a situação de violência afeta também as crianças. Dificilmente encontramos um agressor que seja violento somente com a mulher. Mesmo que a violência não seja diretamente praticada às crianças, compromete o desenvolvimento dos filhos.

Por Carla Menezes, especial para o ‘Estado’

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