Violência sexual e de gênero na Universidade: a construção de diretrizes para orientar ações institucionais, por por Deíse Camargo Maito, Maria Paula Panuncio Pinto e Elisabeth Meloni Vieira

17 de março, 2020

Pesquisadoras da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – FMRP/USP e da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto – FDRP/USP, no artigo  “Construção de diretrizes para orientar ações institucionais em casos de violência de gênero na universidade”, publicado no periódico Interface – Comunicação, Saúde, Educação (v. 23), relataram o processo de construção e elaboração do documento “Diretrizes gerais para as ações institucionais de intervenção diante de situações de violência e discriminação de gênero e orientação sexual”, que objetiva instrumentalizar a Universidade para enfrentar, em seu contexto administrativo, a violência sexual e de gênero.

(Humanas/Scielo em Perspectiva, 17/03/2020 – acesse no site de origem)

A pesquisa foi realizada no campus da USP de Ribeirão Preto, durante o ano de 2017, onde as diretrizes foram construídas e publicadas. Este documento pode servir como um parâmetro para as universidades enfrentarem a questão, uma vez que não se trata de um procedimento administrativo específico, mas uma orientação de como lidar com casos em que ocorrem esses tipos de violências e discriminações, dado o contexto universitário e as particularidades e cuidados que essas situações requerem.

O documento, elaborado e publicado pela Comissão para Apurar Denúncias de Discriminação, Assédio e Violência Contra Mulheres e de Gênero do campus da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto (CAV-Mulheres USP-RP) e de outros movimentos dentro da USP, envolveu em seu processo de construção, uma revisão narrativa de literatura sobre a temática, análise documental de tratados internacionais e leis nacionais sobre direitos humanos e direitos humanos das mulheres. Também foram analisados documentos normativos sobre a violência em função de gênero, adotados por outras universidades na Europa, América do Norte e América Latina. O estudo também lançou mão da observação participante, com a presença das pesquisadoras em reuniões de Comissões e Grupos formados para discutir o enfrentamento à violência na Universidade de São Paulo.

Ao longo do ano de 2016, em resposta a situações que foram tornadas públicas pela CPI das Universidades Paulistas e a reivindicação de grupos internos à Universidade, a USP protagonizou um processo de construção de comissões e outros órgãos administrativos para enfrentar a questão da violência sexual e em razão de gênero no contexto universitário.

Embora não exista uma obrigação legal expressa para que as universidades brasileiras enfrentem essas questões, os tratados de direitos humanos das mulheres e a legislação analisada colocam a necessidade de toda a sociedade enfrentar a violência contra as mulheres, ressaltando a responsabilidade de todas as instituições não praticarem violência institucional.

Diferentemente do que ocorre no Brasil, as universidades de alguns países, como Espanha e Estados Unidos, são obrigadas por leis nacionais a lidar com essas situações em seus contextos administrativos. Por essa obrigação, as pesquisadoras conseguiram realizar a análise documental e revisão bibliográfica das iniciativas nestes países (FISHER; CULLEN; TURNER, 2000; KREBS et al., 2007; MORTEO, 2011; POTTER; KRIDER; McMAHON, 2000; VALLS-CAROL, 2009).

No Brasil, a Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006), tratados internacionais de direitos humanos das mulheres, e políticas públicas (BRASIL, 2011), dispõem sobre o enfrentamento à violência contra as mulheres. Essas leis e políticas públicas nortearam a criação das diretrizes, que aplicam o que está estabelecido nelas à realidade universitária, ou seja: traduziram documentos normativos visando sua aplicação à realidade das universidades brasileiras, cenários onde a violência em função de gênero acontece cotidianamente.

A partir da apresentação do processo de construção das diretrizes, Ana Flávia Pires Lucas d’Oliveira e Stela Meneghel, pesquisadoras de universidades brasileiras, e Alejandra López, pesquisadora de uma universidade uruguaia, contribuíram com outras reflexões e questões, introduzindo elementos novos ao debate, como por exemplo o fato de que a universidade deve ser compreendida como uma instituição social que reflete o modo de funcionamento da sociedade. Neste sentido, o papel social da universidade remete a uma obrigação de responder de forma diligente e inovadora aos problemas sociais.

Em réplica, as pesquisadoras respondem a essas novas reflexões, ressaltando o dever da Universidade em enfrentar à violência em função de gênero e qualquer violação dos direitos humanos das mulheres que venha a ocorrer em seu contexto.

Referências

BRASIL. Presidência da República. Lei n° 11.340, de 7 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha. Diário Oficial da União, 8 ago. 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm

BRASIL. Presidência da República. Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Brasília, DF: Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2011.

FISHER, B. S.; CULLEN, F. T.; TURNER, M. G. The sexual victimization of college women. Research Report. Washington, DC: United States Department of Justice, 2000. Avaliable from: https://www.ncjrs.gov/pdffiles1/nij/182369.pdf

KREBS, C. et al. The campus sexual assault (CSA) study: final report. Washington, DC: United States Department of Justice, 2007.

MORTEO, M. M. C. M. Prevención de la violência de género em las universidades: Características de las buenas prácticas dialógicas. Tesis (Educación). Barcelona: Universitat de Barcelona, 2011.

POTTER, R. H.; KRIDER, J. E.; McMAHON, P. M. Examining elements of campus sexual violence policies. Violence Against Women, v. 6, n. 12, p. 1345-1362, 2000.  e-ISSN: 1552-8448 [reviewed 18 November 2019]. DOI: 10.1177/10778010022183686. Avaliable from: https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/10778010022183686

VALLS-CAROL, R. Violencia de género em las universidades españolas. Memoria Final. 2006-2008. Exp. 50/05. Ministerio de Igualdad. Madrid: Secretaria General de Políticas de Igualdad. Instituto de la mujer, 2009. Disponibe en: http://www.uca.es/recursos/doc/unidad_igualdad/496106686_472011125339.pdf

Para ler o artigo, acesse

MAITO, D. C.; PANUNCIO-PINTO, M. P.; SEVERI, F. C.  and  VIEIRA, E. M. Construção de diretrizes para orientar ações institucionais em casos de violência de gênero na universidade. Interface (Botucatu) [online]. 2019, vol. 23, e180653, ISSN 1414-3283 [viewed  17 March 2020]. DOI: 10.1590/interface.180653. Available from: http://ref.scielo.org/87h69z

Links externos

Interface – Comunicação, Saúde, Educação – ICSE: www.scielo.br/icse

http://www.prefeiturarp.usp.br/cav-mulheres/diretrizes-2018.pdf

Como citar este post [ISO 690/2010]:

MAITO, D. C.; PANUNCIO-PINTO, M. P. and VIEIRA, E. M. Um BASTA na violência sexual e em função de gênero na Universidade: a construção de diretrizes para orientar ações institucionais [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2020 [viewed 18 March 2020]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2020/03/17/um-basta-na-violencia-sexual-e-em-funcao-de-genero-na-universidade-a-construcao-de-diretrizes-para-orientar-acoes-institucionais/
Deíse Camargo Maito, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – FMRP USP, Ribeirão Preto, SP, Brasil.

Maria Paula Panuncio Pinto, Professora da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – FMRP USP, Ribeirão Preto, SP, Brasil.

Elisabeth Meloni Vieira, Professora Sênior da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – FMRP USP, Ribeirão Preto, SP, Brasil.

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