Caso Rodrigo Branco. Até quando nós, brancos, vamos deixar racismo para lá?, por Nina Lemos

01 de abril, 2020

(Universa, 01/04/2020 – acesse no site de origem)

Na segunda-feira à noite, um guia turístico “amigo” de várias celebridades, entre elas Xuxa, Rodrigo Faro e Ivete Sangalo (e por isso meio famosinho na internet também), cometeu crime de injúria racial ao vivo, em uma live. O guia turístico Rodrigo Branco, ex-diretor da Band, disse as seguintes coisas:

Sobre Thelma, a única mulher negra no BBB: “Ela tem torcida só porque é negra e coitada.”

Sobre Maju Coutinho: ” Eu assisti hoje ao Jornal Hoje e ela fala tudo errado. Ela só está lá por causa da cor. Ela não tem uma carreira, ela nunca foi repórter de campo, ela fala tudo errado e eu como diretor de TV, vou te falar, ela lê o TP (teleprompter) errado”.

Quando li que isso tinha acontecido, pensei que talvez esse fosse um assunto para esse blog. Depois concluí que o sujeito não era ninguém famoso de verdade, que eu nem sabia quem ele era e disse para mim mesma: “ah, deixa para  á. Não vou dar palco para esse cara.” E, de fato, “esqueci” o assunto.

Fui surpreendida, na noite de terça-feira e na manhã dessa quarta por vários posts no Instagram publicados por amigos negros e ativistas que admiro. Eles diziam: “O seu silêncio é racismo!”. Epa! Será que estão falando comigo? Eu estou em silêncio. Comecei a ficar incomodada comigo mesma. Eu tinha me calado.

Eu, que vivo denunciando machismo, racismo (sim, eu tento) e homofobia… tinha decidido “deixar para lá”.

Será que eu teria feito o mesmo se o cara tivesse soltado uma frase terrivelmente machista e eu me sentisse atingida? Será que eu não estava simplesmente naturalizando o racismo quando disse paras mim mesma “deixa quieto?”

Provavelmente sim. Para nós, jornalistas brancos (e brancos em geral, seja qual for a profissão), o racismo não dói na pele como dói para um negro. E eu, que cresci em uma sociedade racista, achei que o sujeito era “mais um cara”, que o que tinha acontecido era “APENAS mais um caso”. Só que não existe “apenas mais um” quando o assunto é
racismo, né? Mas nós, brancos, de fato, muitas vezes deixamos para lá.

Precisamos, mesmo, levar chacoalhões, como o que levei lendo um post da minha amiga irmã Claudia Lima, editora da Vogue. “Ei, branco, você é mesmo antirracista?”, ela postou.

E escreveu um texto em que dizia, entre outras coisas, que “não basta gostar do Mano Brown, achar aNaomi Campbell e a Michelle Obama “incríveis”, repetir frases da Angela Davis e outros tantos pensadores e pensadoras negras porque é “cool” se você fica em silêncio diante de uma demonstração de racismo.”

Eu tinha ficado em silêncio. E, enquanto escrevo, a maioria das celebridades que já postaram fotos com o tal guia estão fingindo que não é com elas.

Até a publicação desse texto, apenas Preta Gil, que é negra e sente na pele, tinha se pronunciado. “Não poderei e não quero te defender” disse sobre o, até esse episódio, amigo. “O que ele fez é muito grave, muito sério. E que assuma e pague as consequências dos seus atos. E, como mulher preta, tenho caminhado cada dia mais sobre o processo da luta antirracista. Então, aprendam de uma vez por todas, não se tolera e nem relativiza mais essa mazela na nossa sociedade que já causou tanta dor e sofrimento”.

Preta, minha amiga Claudia e todos os ativistas estão mais que certos em gritar, nos fazer pensar e tentar abrir os nossos olhos. A gente tem a chance de escutar, aprender e repensar a nossa atitude de “deixar para lá”. Ou não. E como eles me alertaram, se você “deixar para lá”, está, sim, sendo conivente…

Ah, e ao contrário do que alguns colegas estão escrevendo, o que disse Rodrigo Branco não foi “polêmico”, ok? Foi crime mesmo.

Por Nina Lemos

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