Caso Prior repete padrão de estupro em festas universitárias, diz advogada

06 de abril, 2020

(Universa, 04/04/2020 – acesse no site de origem)

Nos relatos das três mulheres que acusam o ex-BBB Felipe Prior de estupro e tentativa de estupro, há pelo menos quatro fatores que se repetem em situações de violência sexual em ambientes universitários. O perfil do suposto agressor —que fazia parte da convivência social das denunciantes— e o fato de elas falarem sobre os episódios alguns anos depois fazem parte desse quadro. Quem aponta o padrão é a advogada Marina Ganzarolli, cofundadora da Rede Feminista de Juristas e que atua há 13 anos no enfrentamento de violências sexuais.

Trazidos à tona em uma matéria da revista Marie Claire, os depoimentos ganharam repercussão na sexta-feira (3) por conta do acusado, Felipe Prior, ser conhecido do público.

Assédio, violência sexual nas universidades: padrão entre os casos

As mulheres que denunciaram terem sido vítimas de estupro e tentativa de estupro por parte de Felipe Prior —que se defendeu ainda na noite de sexta, com um vídeo publicado no Instagram— deram detalhes em seus relatos: duas situações teriam acontecido em barracas, comumente montadas durante jogos universitários, e outra, durante uma carona do acusado oferecida a uma delas.

“É fato que a maioria dos casos de violência sexual no Brasil ainda acontece em ambiente doméstico [o número de denúncias aumentou durante a quarentena, por exemplo]; no entanto, fazendo o recorte dos que acontecem em ambientes universitários, as falas das vítimas obedecem um padrão”, explica a advogada Marina Ganzarolli.

Na festa, com conhecido

Segundo a advogada, nesses ambientes, a violência costuma ocorrer nos momentos de festa, como os jogos universitários e as festinhas promovidas em república ou moradias estudantis. “É comum que as histórias mencionem barracas, caronas e atividades acadêmicas, que envolvam ou não álcool”, diz a advogada.

Além disso, assim como no caso envolvendo Prior, é recorrente que o agressor seja alguém do convívio social da vítima. “Pode ser um ex-ficante, alguém de outro curso, da pós-graduação ou de outro ano da faculdade. Ou alguém que a pessoa nem beijou, mas está naquele ambiente de convivência.”

Declarações tardias

Também é um padrão nesse tipo de crime que as denúncias surjam alguns anos após o ocorrido, reunidas por um grupo de vítimas.

“Isso é estatisticamente comum. Nas pesquisas sobre violência sexual, o agressor tem um perfil altíssimo de reincidência. Ou seja, é fácil encontrar outras vítimas da mesma pessoa. Nos Estados Unidos, eles são conhecidos como predadores sexuais”, explica. “Além disso, é muito raro que a denúncia venha logo após o crime. Isso só costuma acontecer quando outra pessoa vê a violência, por exemplo.”

União das vítimas

Maira Pinheiro e a colega Juliana Valente, advogadas das três mulheres do caso Prior, entraram em cena no final de janeiro, quando as três mulheres que denunciam Prior se conheceram.

Duas delas haviam lido um post no Twitter em que alguém dizia saber da “fama” de Prior: acusado de assediar mulheres, ele havia sido expulso dos jogos universitários InterFAU, que reúnem estudantes de faculdades de Arquitetura e Urbanismo. Por meio da autora do post, se conheceram e se juntaram para procurar as advogadas e, assim, chegaram à terceira denúncia.

As vítimas de violência sexual, apontam as especialistas, podem adquirir traumas da experiência que as impedem de falar sobre o que viveram.

“Um dos grandes e mais recentes exemplos que tivemos foi o das vítimas do guru espiritual João de Deus. Era um grupo de mulheres de classe média e alta que sofreram e se calaram por anos. Quando uma delas teve coragem de falar, foi seguida por um grande número de denúncias, feitas por mulheres que se sentiram acolhidas e estimuladas a falar”, diz Jacira Melo, diretora do Instituto Patrícia Galvão, organização de defesa dos direitos das mulheres.

A advogada Marina Ganzarolli aponta que é comum o efeito de “se uma falar, mais falam” e que isso é benéfico para que os casos venham à tona e sejam levados ao âmbito judicial. “Quanto mais vítimas, mais testemunhas, mais uma endossa o depoimento da outra. Com minha experiência no enfrentamento da violência sexual contra a mulher, digo que é super raro uma denúncia acontecer logo depois da violência; geralmente, é a palavra do agressor contra a da vítima, a não ser que alguém tenha visto o episódio”.

Ok. Mas por que falaram só agora?

Para Jacira Melo, o silêncio da vítima tem a ver com a culpabilização da mesma —justificar um crime de violência de gênero por ela estar bêbada ou tentar colocar a motivação do ato em qualquer comportamento da mulher— e é a primeira ideia que precisa ser combatida.

“É preciso partir da máxima de que a culpa nunca é da vítima. Ela precisa ser acolhida, escutada”, diz. Jacira aponta que a perspectiva de questionar a pessoa que sofreu a agressão é majoritariamente masculina, como sugerem os dados da pesquisa Violência contra a mulher no ambiente universitário, feita em 2015.

O estudo, feito pelo Instituto Avon com o Data Popular e assessorado pelo Instituto Patrícia Galvão, aponta que 27% dos homens entrevistados disseram que abusar de uma garota alcoolizada não é uma violência. Para 35% dos entrevistados, não é violência coagir colegas universitárias para participação em atividades degradantes, como leilões ou desfiles.

“Casos e números assim denotam que não há a devida atenção das universidades para o tema; elas estão falhando na formação dos alunos, para que tenham respeito com as mulheres e perante a lei”, analisa.

Jacira defende que a instituição de ensino deve promover a reflexão, mesmo que os casos de violência aconteçam em áreas fora dos campi. “Ela é o elo desses jovens. Eu entendo que tem, portanto, a responsabilidade de falar disso, de forma ética.”

A necessidade é reforçada por outros dados vindos da mesma pesquisa, realizada por 1.823 universitários brasileiros: entre as alunas entrevistadas, 67% disseram já ter sofrido algum tipo de violência (sexual, psicológica, moral ou física) praticada por um homem no ambiente universitário; 56% disseram ter sofrido assédio sexual e 28%, violência sexual (estupro, tentativa de abuso enquanto sob efeito de álcool, ser tocada sem consentimento, ser forçada a beijar veterano).

Vale dizer que a prescrição do crime de estupro pode chegar até 20 anos, de acordo com a forma que foi praticado.

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