STF tem a oportunidade de fazer justiça para mulheres e crianças vítimas do zika, por Beatriz Galli

30 de abril, 2020

Caberá aos ministros cumprirem o seu papel na história, garantindo direitos para as mulheres e crianças atingidos pelo zika.

(HuffPost Brasil, 30/04/2020 – acesse no site de origem)

A epidemia do zika vírus avança silenciosamente no Brasil, segundo boletim epidemiológico da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde de março. São 579 casos prováveis notificados de dezembro de 2019 a fevereiro deste ano.

Nos tempos de “boom” desta epidemia, em 2016, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5581) foi apresentada ao STF (Supremo Tribunal Federal) pela Anadep (Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos), com foco nos direitos humanos das famílias e das mulheres afetadas pela epidemia, em especial seus direitos sexuais e reprodutivos.

A autora da ação alega que as mulheres deveriam ter acesso a políticas de proteção social e reparação do dano causado pela epidemia a elas e suas famílias, acesso à informação sobre os possíveis efeitos da epidemia sobre o desenvolvimento fetal, acesso aos métodos contraceptivos para prevenção da gravidez indesejada e, se infectadas durante a gravidez, poderem decidir e terem acesso ao aborto legal e seguro, ou seja, à interrupção da gravidez.

No dia 24 de abril teve início o julgamento da ação com a divulgação do voto da ministra relatora, Carmem Lúcia, que rechaçou o pedido e foi acompanhada pelos ministros Dias Toffoli, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes. Sendo assim, são sete votos contra o direito de mulheres e crianças acometidos pelo zika vírus. O prazo final para a conclusão do julgamento termina hoje, 30 de abril.

A amplitude da ação sobre zika vírus no STF

A ADI 5581, de forma mais ampla, trata também do acesso equitativo à saúde para todas as mulheres, sem discriminação. Pesquisas mostram que a maior parte das mulheres afetadas pela epidemia são as mulheres negras, que residem nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste, onde o acesso à saúde já é bastante precário, além de sofrerem com a falta de saneamento básico, água potável, condições de moradia dignas, sem acesso a transporte e emprego formal. A epidemia do zika reflete as desigualdades sociais, econômicas, de gênero e raciais existentes na sociedade brasileira.

As que não tiveram possibilidade de escolha, enfrentaram e seguem enfrentando desafios diários para acessar serviços de saúde.

Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), os serviços públicos de saúde sexual e reprodutiva são considerados essenciais durante as epidemias. Tais serviços incluem o acesso à informação para tomada de decisão, o acesso métodos contraceptivos e serviços de aborto seguro.

Muitas mulheres que não desejavam continuar a gravidez por receio de seus filhos contraírem a síndrome congênita do vírus zika conseguiram interromper a gravidez sem o apoio do Estado correndo riscos associados à ilegalidade. As que não tiveram possibilidade de escolha, enfrentaram e seguem enfrentando desafios diários para acessar serviços de saúde, educação e proteção social necessários, para elas e suas crianças.

Um drama que tem cor e gênero

Apesar de ser dever do Estado garantir o acesso a esses serviços, é comum que as famílias encontrem limitações no transporte, especialmente no interior. Série de reportagens do HuffPost de 2017 no sertão alagoano contou o drama de mães como Rosângela Ferreira de Barros, moradora da zona rural de Inhapi, município a 67 quilômetros de Santana do Ipanema, cidade onde o filho com síndrome congênita do zika fazia estimulação precoce. Na semana do atendimento médico, a ida à cidade vizinha não estava certa. Era uma terça-feira, e Rosângela não havia conseguido pegar na Secretaria de Saúde a passagem da van que faz o transporte.

Leia a série de reportagens “Esquecidos pelo Estado” clicando aqui.

Graves epidemias mudam drasticamente a realidade cotidiana das pessoas tornando imperativa a garantia dos direitos fundamentais em risco, pelas incertezas futuras. Neste cenário de pandemia de covid-19, o STF torna-se arena fundamental para impedir retrocessos e reconhecer direitos sexuais e reprodutivos ameaçados. Este mesmo Supremo, recentemente, fez justiça ao declarar inconstitucional lei municipal que veta discussão de gênero nas escolas. 

Caberá aos outros ministros cumprirem o seu papel na história e acatarem o pedido da autora fazendo justiça para as mulheres e crianças vítimas da epidemia do zika, ou lavarem as mãos diante da injustiça social que atinge principalmente essas mulheres em plena pandemia de covid-19.

Beatriz Galli, advogada, membro do Cladem-Brasil

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