Filas e incerteza: mulheres que criam filhos sozinhas esperam pelo auxílio-emergencial durante pandemia

23 de abril, 2020

Elas relatam problemas com cadastro e no recebimento do primeiro lote benefício. Creches e escolas estão fechadas e mulheres dizem não ter onde deixar crianças; dinheiro é única chance de pagar contas e comprar comida.

(G1/DF, 23/04/2020 – acesse no site de origem)

A faxineira e chefe de família Eva da Silva Moura, de 35 anos, enfrentou três semanas de redução na demanda de trabalho e na renda quando solicitou o auxílio emergencial do governo federal.

“Terça-feira [7], no dia que começou o cadastro, eu levantei cedo.”

Até a tarde desta quarta-feira (22) – mais de duas semanas depois – Eva ainda não tinha visto o dinheiro da primeira parcela. Ela conta que o benefício foi aprovado no dia 14 de abril, mas não caiu na conta que tem na Caixa. A faxineira afirma que procurou ajuda no banco, mas encontrou apenas falta de orientação e longas filas.

Na noite de quarta, o Ministério da Cidadania, um dos órgãos responsáveis por analisar os cadastros dos beneficiários, reconheceu que ainda há pessoas sem receber o primeiro lote e cancelou a antecipação do segundo repasse, previsto para esta quinta (23). A ideia é “completar o atendimento da primeira parcela e anunciar o calendário de pagamento da segunda”.

Moradora do Itapoã, região de baixa renda do Distrito Federal, Eva divide a casa com a filha, de 13 anos. O orçamento da família era baseado em três clientes fiéis da diarista, no entanto, duas delas, moradoras do Lago Sul – local com maior incidência de coronavírus no DF – suspenderam as faxinas.

“Eu estou precisando muito desse dinheiro. Eu tô sem nada em casa.”

Eva da Silva mostra aviso de auxílio emergencial aprovado no aplicativo da Caixa Econômica Federal — Foto: Arquivo pessoal

O trabalho de Eva

A diarista cobra R$ 150 por faxina. “Sobram R$ 140, por causa do preço das passagens”, explica.

Com as duas clientes a menos, o que ganha por mês não chega nem a R$ 600, valor do benefício convencional. Para mulheres que criam filhos sozinhas, ele chega a R$ 1, 2 mil.

“Eu não sei o que fazer.”

G1 entrou em contato com a assessoria de imprensa da Caixa sobre o caso, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.

Demanda e atraso

Na última segunda-feira (20), o presidente da Caixa Econômica Federal Pedro Guimarães, afirmou que mais de 40 milhões de pessoas se cadastraram para receber o benefício, mas o Dataprev informou os dados de 13 milhões. Segundo Guimarães, quem foi aprovado e não recebeu a primeira parcela poderá receber duas de uma só vez.

“Por fatores legais e orçamentários, pelo alto número de requerentes que ainda estão em análise, estamos impedidos legalmente de fazer a antecipação da segunda parcela do auxílio-emergencial”, informou o governo federal”

Também até a última segunda, o site auxilio.caixa.gov.br havia superado a marca de 275 milhões de visitas e a central exclusiva 111 registrou mais de 46,6 milhões de ligações. O aplicativo Auxílio Emergencial Caixa já somava 50,3 milhões de downloads e o aplicativo Caixa Tem, para movimentação da poupança digital, superava 21 milhões de downloads.

A espera de Nair

Na tarde chuvosa desta quarta-feira (22), no Distrito Federal, em uma agência da Caixa Econômica de Ceilândia, onde vive a maior população periférica do DF, uma fila se formava na rua. Uma das pessoas ali era Nair Ferreira, de 45 anos, que cria sozinha uma filha de 14 anos.

“Está muito difícil. Eu trabalho com [aluguel de] brinquedos. As pessoas não estão querendo mais fazer festas.”

Nair disse ao G1 que recebeu a notificação de que foi aceita para o auxílio emergencial há uma semana. Ela estava indo ao banco para se informar sobre quando iria receber o dinheiro.

“Tenho que ficar aqui, senão, vamos passar fome. Não tem como.”

Tatiane, mãe de três filhos

Tatiane das Neves, de 34 anos, está inserida no Cadastro Único do Governo Federal (CadÚnico). O auxílio emergencial dela foi aprovado no dia 14.

Tatiana conta que a Caixa criou uma conta social para o recebimento, mesmo ela já tendo uma conta poupança do banco. Contudo, ela não conseguiu ajuda na agência para sacar o dinheiro e também não conseguiu confirmar se o recurso já foi depositado.

“Eu enfrentei uma fila muito grande. Eu fico triste porque não tem nenhum lugar assim que eu possa ir para resolver. Já fui ao banco e não resolvi.”

Mãe de três filhos, Tatiana conta que o mais velho, de 16 anos, tem deficiência. Desempregada, ela tem sustentado a família com o auxílio financeiro do CadÚnico.

“Eu estava confiante de que seria o valor de R$ 1,2 mil. Daria pra pagar minhas contas”, afirma. Mas, voltou para casa de mãos vazias.

G1 também questionou a Caixa sobre o problema com as contas sociais, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.

A ‘solicitação em análise’ de Mércia

A motorista de aplicativo Mércia Cardoso de Novaes, de 42 anos, conta que olha o aplicativo todos os dias, desde 7 de abril, mas vê a mesma mensagem: “sua solicitação continua em análise”. Com uma filha de 1 ano e três meses e outro de 12, ela teve que parar de trabalhar porque as creches e escolas do DF estão fechadas desde a segunda semana de março.

“A minha filha tava ficando com a babá, mas ela falou que não poderia mais ficar com ela. Eu cheguei a ir atrás de um berçário, mas todos estão fechados”.

Mércia Cardoso compartilha imagem que informa auxílio emergencial em análise — Foto: Arquivo pessoal Mércia Cardoso compartilha imagem que informa auxílio emergencial em análise — Foto: Arquivo pessoal

Mércia Cardoso compartilha imagem que informa auxílio emergencial em análise — Foto: Arquivo pessoal

Além de não ter com quem deixar as crianças, Mércia conta que o trabalho que exerce é de risco. “A última vez que eu trabalhei foi entre o dia 12 e 13 de março. Eu não quero ficar doente e trazer vírus pra minha casa. Eu cuido da minha família”, disse.

A motorista mora na Ceilândia, mas ressalta que percorre todo o Distrito Federal para atender os clientes do aplicativo. “Pego pessoas no aeroporto […] até no hospital mesmo, transportamos pacientes. Também por uma questão de segurança, eu preferi não trabalhar”, explica.

Apesar de saber do risco, ela conta que talvez deixe de ter escolhas. “Eu acho que vou ter que voltar a trabalhar e expor minha família ao risco”, desabafa.

“Uma grande parte da população está tendo que escolher: ou vai morrer de coronavírus ou morrer de fome.”

Prazos para análise

Na segunda-feira (21), o Dataprev divulgou uma nota afirmando que o órgão e o Ministério da Cidadania estão analisando os cadastros em três lotes. O terceiro e último seria finalizado na última terça-feira (21). Contudo, a reportagem apurou que as solicitações “em análise” continuavam nesta quarta-feira.

Ao G1, a Caixa Econômica informou nesta quarta que “o cidadão deve aguardar”. Veja a íntegra da nota abaixo:

“A CAIXA informa que o cidadão deve aguardar o resultado da avaliação efetuada pela Dataprev, instituição do Governo Federal responsável por verificar se o trabalhador cumpre todas as exigências previstas na lei.

O banco efetuará a liberação dos recursos em até 3 dias úteis após o recebimento das informações pela Dataprev, para os cidadãos que tiverem o direito ao benefício reconhecido”

Auxílios do GDF

Na última semana, deputados distritais aprovaram um auxílio financeiro de R$ 1.045 para trabalhadores demitidos após medidas de isolamento social e restrições no comércio, em Brasília. Além de um programa de renda mínima, de autoria do governo do DF, que prevê um benefício de R$ 408 a famílias com renda mensal per capita de até meio salário mínimo, ou R$ 522,50.

Para começar a valer, as normas precisam ser sancionadas pelo governador Ibaneis Rocha (MDB). Ao G1, o GDF informou que “a Câmara Legislativa, ainda não encaminhou os referidos PLs para a sanção ou veto do governador”. Segundo a nota, o governo aguarda que a CLDF encaminhe os projetos para que sejam analisados.

Por Carolina Cruz, G1 DF

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