Maioria das mulheres não denuncia agressor à polícia ou à família, indica pesquisa

26 de fevereiro, 2019

Levantamento encomendado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que 52% ficaram caladas

(Folha de S.Paulo, 26/02/2019 – acesse no site de origem)

A maioria das mulheres vítimas de agressão não denuncia o agressor a um órgão oficial e também não procura apoio da família ou de amigos.

Pesquisa realizada pelo Datafolha a pedido do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), que ouviu 2.084 pessoas em 130 municípios brasileiros, indica que 52% das mulheres que sofreram alguma agressão no último ano ficaram caladas.

O levantamento “Violência Contra as Mulheres”, divulgado nesta terça (26), foi feito nos dias 4 e 5 de fevereiro. Do total de pessoas ouvidas, 1.092 eram mulheres. É a segunda vez que o levantamento é realizado —a primeira foi em 2017.

O índice de mulheres que não denunciam a agressão, contudo, pode ser ainda maior, diz Samira Bueno, diretora executiva do FBSP, já que o percentual de 52% considera o piso da margem de erro nas projeções, de três pontos percentuais.

As mulheres que buscaram um órgão oficial são 22% das vítimas de agressão. A delegacia da mulher foi a instituição mais buscada.

Na hora de pedir ajuda, contudo, as vítimas ainda preferem falar com a família, amigos e membros da igreja que frequentam sobre a violência sofrida (30% delas).

Uma pesquisa feita pelo Núcleo de Gênero do Ministério Público de São Paulo, divulgada em 2018, também lançou luz sobre a falta de notificação das agressões.

Apenas 5 das 124 vítimas de feminicídio no estado entre março de 2016 e março de 2017 haviam registrado boletim de ocorrência contra o agressor —ou seja, 4% delas.

Após pedir o divórcio, há dois anos, a assistente administrativa Maria (nome fictício), 44, começou a ser perseguida pelo ex-marido, com quem foi casada por 20 anos. A separação foi motivada por seguidas traições e pelo fato de o homem não ajudar nas despesas da casa.

No ano passado, o ex-marido invadiu a sua residência, tentou agarrá-la e a ameaçou com uma faca. Ela não registrou o caso na delegacia.

“Não queria prejudicá-lo. Ele já tinha problema na Justiça por ter agredido a irmã dele. Aí pensei: se eu denuncio, ele vai preso, tenho um filho com ele. Aquelas histórias bestas que toda mulher tem”, afirma. “E, no final, a vítima sempre é culpada. A gente tem medo de ser julgada pelos outros.”

Só registrou ocorrência uma vez, no fim de 2018, quando ele a perseguiu do ponto de ônibus até sua casa e, novamente, tentou agarrá-la.

O processo foi um martírio: ela conta que ficou a noite toda na delegacia e que teve de repetir a história três vezes para os policiais. “Não queriam fazer o boletim. Só fizeram porque tinha uma delegada de plantão e também porque viram que eu não ia sair de lá”, conta.

Maria trocou de celular, para fugir das constantes mensagens e ligações do agressor, e agora só vai da casa para o trabalho e vice-versa.

“Jamais pensei que ele fosse capaz disso. Ele nunca me agrediu no casamento. A gente mora com o inimigo e não sabe”, diz. “No fundo, eu não sou uma pessoa livre. Me sinto presa dentro de uma gaiola. Não saio para lugar algum com medo de ele me encontrar, de fazer barraco, de me agredir.”

Ela buscou uma entidade que apoia mulheres vítimas de violência e não descarta pedir uma medida protetiva contra ele como “último recurso”.

Fortalecer a confiança da mulher no poder público é um dos principais desafios a serem enfrentados no país, diz Samira. Para isso, avalia, é preciso melhorar o atendimento prestado nas unidades policiais.

“Todo policial sabe atirar. Também devem saber atender bem uma vítima de violência, não apenas os de unidades especializadas”, afirma.

Também deve haver um investimento em campanhas de conscientização que incentivem as vítimas a denunciar os agressores, diz Samira: “Se a mulher não denunciar, dificilmente o estado será capaz de protegê-la.”

Cerca de 16 milhões de mulheres com mais de 16 anos foram vítimas de algum tipo de violência no último ano, de acordo com a pesquisa encomendada pelo Fórum. As principais vítimas foram mulheres na faixa de 16 a 34 anos (76% dos casos).

Ofensas verbais, ameaças e perseguição foram os incidentes mais comuns.

Os algozes são conhecidos, na maioria dos casos. De 2017 para 2019, o percentual de mulheres que dizem ter sido agredidas por pessoas conhecidas, como companheiros ou ex-companheiros, vizinhos e familiares, aumentou de 61% para 76%. Os crimes ocorrem com mais frequência na casa da vítima (42%).

Foi o caso da empresária Elaine Caparroz, 55, que ficou com o rosto desfigurada após ser espancada por quatro horas dentro de casa pelo estudante de direito Vinícius Batista Serra, 27, que conheceu na internet. O crime ocorreu durante o primeiro encontro deles. Ele está preso e foi indiciado por tentativa de feminicídio.

A mulher recebeu alta do hospital onde estava internada, no Rio de Janeiro, na última sexta-feira (22). Os médicos acreditam que a recuperação dela deve demorar de três a seis meses.

A pesquisa também analisou casos de assédio sexual, que se mantiveram estáveis em dois anos. Uma das constatações foi que as mulheres são mais importunadas em transportes públicos do que na balada —8% relataram ter sido vítimas em coletivos, ante 6% em festas.

“Os números mostram que a mulher está vulnerável tanto no âmbito doméstico quanto no público. Em qual espaço podem se sentir seguras?”, diz Samira.

Júlia Zaremba

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