Média mensal de casos de violência contra a mulher cresce 24% em um ano

11 de fevereiro, 2019

Oito crimes contra mulheres monitorados pelo Ligue 180 aumentaram em dois anos. Houve uma explosão de violência contra elas entre 2017 e 2018. A média mensal de agressões subiu 24%. Em 2018, 7.634 mulheres foram vítimas todos os meses, ante 6.139, no ano anterior. Os casos de tentativa de feminicídio, por exemplo, mais que dobraram e ultrapassaram sete mil registros. Há 25 anos, o Brasil tenta reverter esse quadro, sem sucesso. Entidades internacionais alertam para o enfraquecimento de políticas públicas para o setor.

(Diário de Pernambuco, 11/02/2019 – acesse no site de origem)

Tentativas de feminicídio, violência moral, patrimonial, psicológica, sexual, obstétrica, institucional e tráfico de mulheres dispararam. Os dados fazem parte do balanço, obtido pelo Correio, do canal de denúncias do então Ministério dos Direitos Humanos — agora, Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. O cenário fica ainda mais grave quando se avalia outras seis violações que entraram no último ano na lista de denúncias do Ligue 180, como ameaça, violência doméstica, familiar, policial, virtual e contra a diversidade religiosa, além de um tópico que aglutina crimes como “outros registros”.

Os números foram avaliados por especialistas e militantes da causa da mulher. Eles foram incisivos: são dados alarmantes, e as investidas masculinas estão cada vez mais cruéis. A violência moral, quando se calunia, difama ou injuria a honra ou a reputação da mulher, subiu 114%: saltou de 1.849 em 2017 para 3.960 no último ano. A violência sexual cresceu 21,5%: saiu de 3.696 casos para 4.491. Já a violência patrimonial — quando há ato de violência que implique dano, perda, subtração, destruição ou retenção de objetos, documentos pessoais, bens e valores — passou de 892 episódios para 1.115, ou seja, 25% a mais no mesmo período.

Desde 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida como Convenção de Belém do Pará, da qual o Brasil é signatário, caracteriza a violência contra o sexo feminino como “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública quanto na esfera privada”. Depois, a Lei Maria da Penha foi criada para endurecer a punição.

No início do mês passado, o Correio publicou outro trecho do balanço do Ligue 180 mostrando que, só em dezembro, 391 mulheres sofreram agressões por dia, e foram registradas 974 tentativas de feminicídio — um aumento de 78% em relação ao mesmo período do ano passado. “Iniciamos 2019 com números alarmantes de casos de feminicídios e, em sua maioria, a motivação do crime foi a não aceitação do fim do relacionamento, uma necessidade de posse e de controle, considerando a mulher como uma propriedade”, explica Vanessa Molina, gerente da Associação Fala Mulher (leia Quatro perguntas para).

Chocante

O cotidiano violento para a mulher, de fato, persiste em 2019. Desde o início do ano, uma média de cinco ocorrências por dia foram registradas. Ao todo, 107 casos de feminicídio ou de tentativa foram denunciados, sendo que 68 acabaram consumados, e 39, tentados, até 24 de janeiro. O levantamento foi realizado pelo professor Jefferson Nascimento, doutor em direito internacional pela Universidade de São Paulo (USP). Há registros de ocorrências em pelo menos 94 cidades, distribuídas por 20 estados e o DF.

Na última semana, casos de todo tipo de violência chocaram o país. No DF, um homem matou a  mulher e atirou no filho, na 316 Norte. Ela foi enterrada na sexta-feira. Em Santa Catarina, balanço da Secretaria de Segurança Pública contabilizou cinco casos de feminicídio. No Espírito Santo, uma mulher foi agredida enquanto dormia — o marido a atacou a golpes de tesoura.  Em 2018, 7.036 foram vítimas de tentativa de feminicídio.

Para Raquel Marques, presidente da Associação Artemis, centro cultural feminista, essa é uma questão cultural. “Quando se fala em aumentar penas e tipificar crimes, estamos trabalhando com o que será feito após o acontecimento. Não estamos nos preocupando com o principal, que é o antes, com a prevenção. Temos de pensar que esse homem é comum. E que ele um dia se apaixonou, dividiu a casa, teve filhos, mas que, no inconsciente dele, a mulher é extensão do seu patrimônio”, critica.

A militante explica que é preciso estimular a intolerância social a qualquer violência. “Tudo começa com a desqualificação moral, com pequenas ofensas. Depois, vêm um empurrão, um tapa. A violência não é do dia para a noite. Ameaça, por exemplo, é registrada só por registrar, para se ter estatística. Na maior parte dos casos, nada é feito”, aponta.

Raquel acredita que falta estrutura social para a mulher sair do ciclo da violência, como creche e emprego. “Quando falta o básico, não adianta criar abrigo. A sociedade inteira precisa viabilizar isso em todos os aspectos. As mulheres se escondem porque são julgadas, ficam arredias para não aumentar o problema dentro de casa, não têm dinheiro para sair”, frisa.

Luta sem fim

A Lei Maria da Penha completou 12 anos em agosto passado. É um marco para a proteção dos direitos femininos ao endurecer a punição por qualquer tipo de agressão cometida contra a mulher. A partir da legislação, o Código Penal passou a prever essa violência como crimes, que geralmente antecedem atos fatais. O código também estabelece que os agressores sejam presos em flagrante ou tenham prisão preventiva decretada se ameaçarem a integridade física da mulher.

“Quando se fala em aumentar penas e tipificar crimes, estamos trabalhando com o que será feito após o acontecimento. Não estamos nos preocupando com o principal, que é o antes, com a prevenção”

Raquel Marques, presidente da Associação Artemis

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