Trabalhadoras domésticas e diaristas falam das dificuldades que enfrentam em meio à pandemia

02 de abril, 2020

Com surto de coronavírus, elas estão mais vulneráveis a ficar sem renda ou seguir trabalhando em situação de risco nas casas de família

(Celina/O Globo, 02/04/2020 – acesse no site de origem)

RIO – Joana* tem 47 anos e há dez trabalha como empregada doméstica na casa de uma família em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Quase 15 dias depois do governo do estado decretar as medidas de isolamento social para conter a propagação do coronavírus, ela continua trabalhando normalmente.

Joana está preocupada com a situação porque divide a casa com uma pessoa que está no grupo de risco da Covid-19. Seu marido tem 60 anos e é diabético. Ela conta que tentou marcar suas férias neste período, para poder ficar em casa, mas não houve acordo.

—  Eu não estou conseguindo ficar em casa. Na semana passada, conversei com ela, porque vi que as minhas colegas já estavam sendo dispensadas. Pedi para tirar o restante das minhas férias, mas ela disse que não poderia me liberar agora, só daqui a uma ou duas semanas. Só que eu fico muito preocupada, porque meu marido está no grupo de risco — conta.

Ela diz ainda que, apesar da patroa e das crianças estarem em quarentena, o marido da dona da casa continua trabalhando fora.

— Fico com medo porque eu tenho a possibilidade de pegar o coronavírus e levar para casa, por mais que use álcool gel e faça a higiene adequada. Eu tirei uma semana de férias em janeiro, quando minha patroa viajou, mas queria tirar o restante agora — desabafa.

Relatos como o de Joana estão ficando cada vez mais comuns, afirma a presidente do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas do Município do Rio de Janeiro, Maria Izabel Monteiro.

— Nós não fizemos um canal de denúncias, mas estamos recebendo relatos, principalmente via Whastapp. Também tenho muitas conhecidas que estão nesta situação e estão correndo risco de se contaminarem, porque há mais chances de o vírus ser contraído nas casas de família, porque os empregadores viajam muito, são empresários — afirma Monteiro.

primeira morte por coronavírus confirmada no Rio de Janeiro, no dia 19 de março, foi de uma mulher de 63 anos, hipertensa e diabética, que trabalhava como empregada doméstica em uma casa no Leblon, para uma mulher que esteve na Itália e estava com a doença.

A categoria de trabalhadoras domésticas reúne 533 mil profissionais no estado do Rio de Janeiro, sendo 385 mil na Região Metropolitana, de acordo com o IBGE.

No país, do universo de mais de 6 milhões de trabalhadores domésticos, 5,7 milhões são mulheres, das quais 3,9 milhões são negras, de acordo com levantamento feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea). Deste total, menos de 30% são formalizadas e trabalham com carteira assinada.

Essas trabalhadoras enfrentam ao menos dois desafios específicos durante a pandemia do coronavírus: por um lado têm que lidar com a sobrecarga de tarefas nas casas onde trabalham e com o risco de contaminação, uma vez que boa parte dos integrantes das famílias está em quarentena.

Por outro lado, têm mais chances de perder renda à medida que são dispensadas temporariamente dos seus trabalhos em função do risco de contágio. Como boa parte delas trabalha informalmente, podem ficar sem nenhuma renda neste período em que a recomendação é o isolamento social. E se continuam trabalhando, mantém a renda, mas se expõem à Covid-19.

Desde o dia 15 de março, o sindicato da categoria no Rio iniciou uma campanha nas redes sociais para incentivar empregadores a dispensar temporariamente suas funcionárias, mas manter os pagamentos em dia.

— Não temos a dimensão da categoria, mas sabemos que muitas trabalhadoras não estão sendo liberadas e, neste momento, estão sobrecarregadas. A classe média e a classe alta não estão acostumadas a fazer os seus trabalhos domésticos, mas estamos em um momento emergencial, de prevenção — reforça Maria Izabel.

A situação fez com que filhos de trabalhadoras domésticas também organizassem um manifesto e um abaixo assinado reivindicando que elas possam permanecer em casa neste período e tenham sua renda garantida, a chamada quarentena remunerada. A artista Camila Rocha é uma das integrantes do grupo que organizou a mobilização. Ela tem 25 anos e é filha de uma empregada doméstica, que trabalha há cinco anos na mesma casa.

— Minha mãe não está trabalhando todos os dias, mas ainda assim está se submetendo ao risco quando vai trabalhar. A meta do nosso manifesto é para que os empregadores se conscientizem, liberem suas empregadas e diaristas, mas entendam que elas não podem ficar sem nenhuma renda. É um direito.

“Há anos nossas mães, avós, tias, primas dedicam suas vidas a outras famílias, somos todas (os) afetadas (os) por essa “relação trabalhista” de retrocesso e modos escravistas. Tivemos nossas vidas marcadas por esse contexto, que precisa ser repensado por toda a sociedade, sobretudo, pelos empregadores”, diz o manifesto, que já foi assinado por mais de 47 mil pessoas.

Diaristas dispensadas sem garantias

Catarina da Silva Vale tem 59 anos e trabalha como diarista em casas de família na Zona Sul do Rio de Janeiro. Antes da crise causada pelo coronavírus começar, ela trabalhava cinco dias por semana e ganhava entre R$ 150 e R$180 por diária. Há duas semanas foi dispensada pelos seus empregadores e agora não tem serviço em nenhum dia da semana. Ela é responsável por sustentar a família. Catarina vive com o filho de 17 anos, a filha de 20 anos e um neto de 3 anos em Magé, na Baixada Fluminense.

— As diárias eram minha única fonte de renda. Eu ainda não sou aposentada. É com esse dinheiro que eu mantenho. E agora estou sem nenhuma diária para fazer — afirma.

Catarina conta que duas das famílias para quem ela presta serviço anteciparam parte do seu pagamento, mas que o dinheiro não é suficiente para o mês.

— Recebi R$ 600 e conseguir fazer umas compras no mercado e pagar a conta de luz. Mas agora que está todo mundo em casa, o gasto vai aumentar — afirma. Além do seu rendimento como diarista, a família conta com o benefício mensal do Bolsa Família recebido pela filha, mãe de um menino de 3 anos.

— Eu não tenho como arrumar outra atividade. É isso que eu faço. E não tenho ajuda de ninguém. Tenho que esperar voltar ao normal. Espero que melhore logo, pois já estou há três semanas em casa — desabafa.

Para a economista Lucilene Morandi, que coordena o Núcleo de Pesquisa em Gênero e Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF), o impacto da pandemia é mais grave para as diaristas, porque elas podem ter sua renda reduzida a zero de um mês para o outro.

— Dificilmente essas trabalhadoras, que têm remuneração mais baixa, vão ter alguma reserva ou poderão contar com a ajuda financeira de familiares nesse momento. O impacto é muito sério. Muitas delas são chefes de família, então isso não prejudica só elas, mas seus filhos e outros dependentes — afirma. Por isso, Morandi orienta que as famílias que tiveram pouca redução na renda neste período mantenham ao menos uma parcela dos pagamentos para as suas diaristas.

Foi o que as empregadoras de Suzana Silva, de 35 anos, decidiram fazer neste período. A diarista conta que, na semana passada, foi dispensada das quatro casas em que trabalha há cinco anos, mas todas mantiveram seus pagamentos em dia, exceto pela tarifa do transporte público.

— Foi uma iniciativa das minhas patroas. Elas estão muito preocupadas, por isso me deixaram em casa. Uma delas tem uma idosa em casa e, como eu uso o transporte público, ficou com receio de eu pegar. Com o transporte restrito, também fica difícil ir da Baixada Fluminense, onde eu moro, até a Zona Sul, onde trabalho — conta a diarista.

Suzana diz que uma de suas empregadoras pediu que ela retornasse ao trabalho na próxima segunda-feira, mas que irá pagar o transporte de carro para que ela vá a sua casa. As outras diárias ainda não têm data para serem normalizadas.

— Não sabemos quanto tempo isso vai durar, mas eu me sinto mais segura podendo ficar em casa. Além disso, estou aproveitando para ficar com os meus filhos. Como eu trabalho na Zona Sul, costumo dormir nas casas e só volto para a Baixada no final de semana, então eles moram com os pais — diz Suzana.

*O nome da entrevistada foi alterado para preservar sua identidade

Por Leda Antunes

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