“As mulheres são o motor da resistência”, diz Jurema Werneck diretora da Anistia Internacional Brasil

22 de fevereiro, 2017

São principalmente as mães, irmãs e companheiras das vítimas de violência policial que se mobilizam para que os autores de homicídios e outras violações sejam responsabilizados

(Ponte, 22/02/2017 – acesse no site de origem)

O protagonismo das mulheres na luta por Justiça em casos de homicídios praticados por policiais é destacado em relatório que a Anistia Internacional Brasil lança nesta quarta-feira (22/02) no Rio de Janeiro. São principalmente as mães, irmãs e companheiras das vítimas de violência policial que se mobilizam para que os autores de homicídios e outras violações sejam responsabilizados criminalmente — no Brasil e em outras partes do mundo.

Leia mais: Mães e Anistia Internacional promovem ato contra violência policial no Rio (R7, 23/02/2017 – acesse no site de origem)

“As mulheres têm sido o motor da resistência, as mulheres têm sido o motor da mudança”, afirmou a diretora executiva da organização, Jurema Werneck. “Muitas vezes invisibilizadas, vistas como parte da paisagem, mas somos nós que estamos à frente de toda a resistência. Isso é bom e precisa ser celebrado”, disse.

Aludindo às familiares de vítimas que a ouviam, completou: “Tem dor ali, tem sofrimento ali, mas tem força, tem aquela afirmativa potente de dizer: ‘daqui não passa, estamos aqui para fazer a diferença’. E elas estão aqui para fazer a diferença”.

Ela se referia às mães brasileiras do Movimento Mães de Maio Débora Maria da Silva, Vera Lúcia dos Santos e Rute Fiuza, à norte-americana Marion Gray-Hopkins e à jamaicana Shakelia Jackson — mulheres que compartilham da mesma dor e da mesma luta desde que a violência policial atingiu suas famílias.

Entre elas, um homem: o pedreiro José Luiz Faria da Silva, que já se acostumou a conviver com muito mais mulheres do que homens, justamente por ser um dos poucos pais de vítimas que se tornaram ativistas. Seu filho, Maicon, foi morto em 1996 por um policial militar aos dois anos de idade, quando brincava na porta de casa, na favela de Acari, Zona Norte do Rio. Registrado como “auto de resistência”, o crime prescreveu em 2016 sem que o PM que matou a criança fosse responsabilizado.

Nesses 20 anos, ele perdeu a esposa, não conseguiu mais se relacionar, sofreu enorme desgaste físico, passou por problemas de saúde e sofreu ameaças de PMs. “A mãe do Maicon não quis isso por causa das ameaças que eu sofri. Foram cinco, ao longo dessa história. Ameaças que eu sofri com fuzis na cara pra morrer. Só que, com a permissão de Deus, estou vivo e lutando, e com isso acabou meu casamento, meu lado sentimental não funciona mais. Não consigo estabelecer uma relação. Então o Estado não só matou e marginalizou o Maicon como destruiu a minha saúde e a da mãe dele, destruiu toda a família. Uma bala não mata só uma pessoa, ela destrói a vida da família toda”, lamenta o pai.

Mulheres de luta

As histórias das mulheres são muito semelhantes. As vítimas da violência policial — seus filhos, irmãos ou companheiros — são quase sempre jovens negros, os policiais quase nunca são responsabilizados pelos crimes e a luta pela responsabilização dos policiais que matam é mais do que uma luta contra a impunidade: é também uma luta pela preservação da memória das vítimas, que muitas vezes acabam sendo criminalizados como uma maneira de justificar seu assassinato.

“É uma história que se repete, o modus operandi [dos policiais] é o mesmo, a Justiça é a mesma, quando se trata de um jovem negro e pobre. É uma coisa impressionante”, diz Debora Maria da Silva, que teve o filho, Edson Rogério, executado por PMs nos Crimes de Maio de 2006, em São Paulo. “A força das mulheres é um clamor pra nós. A gente tem o dom de transformar. E só com a união a gente consegue alavancar a luta”, enfatiza.

Para Vera Lúcia dos Santos, a união das mulheres brasileiras com as de outros países em uma mesma causa é fundamental para fortalecer a luta contra a violência policial. “Quando estamos juntas, nos fortalecemos mais. A gente vê que isso não acontece só no Brasil, que acontece em vários pontos do mundo. Nós somos soldados pequenos, mas de mãos dadas a gente vira um exército muito grande”, afirma ela, que teve a filha Ana Paula, grávida, e o genro, também executados por policiais nos Crimes de Maio.

Desde que seu filho, Davi Fiuza, foi torturado por 23 policiais na Bahia e desapareceu em 2014, Rute Fiuza vem lutando pela responsabilização dos agentes, que embora identificados, até hoje não responderam pelo crime. Segundo ela, a união com as outras mães é o que a fortalece. “É o que nos fortalece, ver que você não está sozinha. Porque chega um momento em que ninguém mais quer ouvir sua história. Seus amigos e familiares se afastam, começam a achar chato você falar tanto sobre seu filho. A gente só sente na verdade quando é na nossa pele”, afirma.

A jamaicana Shackelia Jackson contou que, assim como as brasileiras, ela não teve tempo de ter luto quando seu irmão Nackiea Jackson, de 29 anos, foi morto por um policial dentro de seu restaurante, em 2014. “Quando se tem que lidar com a polícia, não se tem tempo de ter luto”, disse ela. “Me sinto como muitas outras famílias. Nós fomos sentenciados. Perdi meu irmão e provavelmente perdi um pedaço de mim”, completou Shackelia, que continua lutando na justiça pela condenação do policial.

Mãe de Gary Hopkins, assassinado aos 19 anos por um policial em Maryland, nos Estados Unidos, a norte-americana Marion Gray-Hopkins falou sobre o racismo no país. “A história de Gary é a história dos Estados Unidos”, disse. O crime ocorreu em 1999 e o policial que matou o jovem negro foi absolvido. Na época, tentaram criminalizar Gary, afirmando que havia drogas e álcool no carro onde ele se encontrava. “O relatório policial torna a vítima um vilão. É aí que entra o papel de vocês [jornalistas]: vocês precisam conhecer de verdade as histórias das vítimas”, encerrou a ativista.

A Ponte publicará reportagem especial a partir de entrevistas exclusivas com Shackelia Jackson e Marion Gray-Hopkins.

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