Caso Araceli completa 44 anos e mistério sobre a morte permanece no ES

18 de maio, 2017

O dia do desaparecimento de Araceli Cabrera Crespo completa 44 anos nesta quinta-feira (18). Mesmo depois de tanto tempo, a forma como a menina de oito anos despareceu em 1973 continua um mistério. Polícia, suspeitos e familiares se depararam com diversas versões do crime, que permanece sem nenhuma solução. O processo, depois do julgamento e absolvição dos acusados, foi arquivado pela Justiça.

(G1 ES, 18/05/2017 – Acesse o site de origem)

Aos 8 anos, Araceli foi raptada, drogada, estuprada, morta e carbonizada, no Espírito Santo. O corpo foi deixado desfigurado e em avançado estado de composição próximo a uma mata, em Vitória, dias depois de desaparecer.

Embora permaneça um mistério, são muitas as especulações e suspeitas levantadas à época. O dia do desaparecimento de Araceli, com o passar dos anos, passou a marcar um lembrete para que a sociedade se atente à violência contra as crianças. O 18 de maio foi instituido como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, a partir de 2000.

Relembre como foi o caso de Araceli, um dos mais emblemáticos da história do país, a partir de recortes do Jornal A Gazeta, reportagens da TV Globo e relato de testemunhas:

O desaparecimento

Desaparecimento intrigou família da menina Araceli, no Espírito Santo (Foto: CEDOC/ A Gazeta)Desaparecimento intrigou família da menina Araceli, no Espírito Santo (Foto: CEDOC/ A Gazeta)

O dia 18 de maio de 1973, uma sexta-feira, começou como um dia qualquer na família Cabrera Crespo. Araceli saiu de casa, no bairro de Fátima, na Serra, e seguiu para a Escola São Pedro, na Praia do Suá, em Vitória.

Por conta do horário do ônibus que a levaria de volta para casa, a mãe, Lola Cabrera Crespo, pediu para que Araceli saísse da escola mais cedo.

Ao sair da escola, ela foi vista por um adolescente em um bar entre o cruzamento das avenidas Ferreira Coelho e César Hilal, em Vitória, que fica a poucos minutos da escola onde a menina estudava.

Essa testemunha disse à polícia, na época, que a menina não tinha entrado no coletivo e ficou brincando com um gato no estabelecimento. Depois disso, Araceli não foi mais vista. Quando a noite chegou, o pai, Gabriel Sanchez Crespo, iniciou as buscas.

Corpo encontrado

Pai de Araceli reconheceu o corpo encontrado, no Espírito Santo (Foto: CEDOC/ A Gazeta)Pai de Araceli reconheceu o corpo encontrado, no Espírito Santo (Foto: CEDOC/ A Gazeta)

Dias após o desaparecimento, em 24 de maio, o corpo de uma criança foi encontrado desfigurado e em avançado estado de decomposição em uma mata atrás do Hospital Infantil, em Vitória.

Inicialmente, o pai de Araceli reconheceu o corpo como sendo da menina. No dia seguinte, ele negou, afirmando que o corpo não era o da filha desaparecida. Meses depois, após exames, foi constatado que o corpo era mesmo de Araceli.

Quem encontrou o corpo de Araceli foi o policial Ronaldo Monjardim, junto com o seu pai. Ele tinha 15 anos quando tudo aconteceu. Em 2015, ele voltou ao local a convite do G1 e se lembrou do momento em que encontrou o corpo.

“Só tinha o corpo dela ali naquele local. Foi uma cena muito… Parece que eu estou vendo o momento em que eu encontrei ela, voltando aqui ao local”, disse.

Quase 42 anos depois, Ronaldo retornou ao lugar onde achou o corpo de AraceliQuase 42 anos depois, Ronaldo retornou ao lugar onde achou o corpo de Araceli

Testemunhas e contradições

Durante as investigações, provas e depoimentos misturaram fatos com boatos. Mesmo 44 anos após o desaparecimento de Araceli, o assunto ainda é um mistério. Além de grande parte das testemunhas terem morrido, as que ainda estão vivas se recusam a falar do assunto.

Diante dos fatos apresentados pela denúncia do promotor Wolmar Bermudes, a Justiça chegou a três principais suspeitos:

  • Dante de Barros Michelini (o Dantinho)
  • Dante de Brito Michelini (pai de Dantinho)
  • Paulo Constanteen Helal

Todos os suspeitos são membros de tradicionais e influentes famílias do Espírito Santo.

Dantinho (à esquerda), Paulo Helal (centro) e Dante Michelini (à direita) (Foto: Reprodução/ TV Gazeta)Dantinho (à esquerda), Paulo Helal (centro) e Dante Michelini (à direita) (Foto: Reprodução/ TV Gazeta)

Versão dos acusados

Depois do julgamento, os envolvidos se recusaram a falar sobre o assunto com a imprensa diversas vezes e não foram localizados pela reportagem. No vídeo abaixo, de 1993, Dante de Brito Michelini dá sua versão da razão pela qual seu nome e de seu filho foram ligados ao caso Araceli. É um dos poucos registros com Dante Michelini sobre o assunto:

Dante Michelini nega envolvimento com a morte de AraceliDante Michelini nega envolvimento com a morte de Araceli

Versão da acusação

A versão da morte da menina apresentada pela acusação, que mais tarde terminou no julgamento dos acusados, afirma que Araceli foi raptada por Paulo Helal, no bar que ficava entre os cruzamentos da rua Ferreira Coelho e César Hilal, após sair do colégio.

No mesmo dia, a menina teria sido levada para o então Bar Franciscano, na Praia de Camburi, que pertencia a Dante Michelini, onde foi estuprada e mantida em cárcere privado sob efeito de drogas.

Por causa do excesso de drogas, Araceli entrou em coma e foi levada para o hospital, onde já chegou morta. Segundo essa versão, Paulo Helal e Dantinho jogaram o corpo da menina em uma mata, atrás do Hospital Infantil, em Vitória.

Em entrevista ao Globo Repórter de 1977, o promotor Wolmar Bermudes explicou a quem se destinavam as acusações.

“O Dante Michelini pai pesa a acusação de haver mantido a menor em cárcere privado, dois dias, no sótão do seu bar, em Camburi. Contra os dois, o Dante Filho e o Helal, pesam as acusações de haverem os dois ministrado a infeliz menor tóxicos e haverem ainda de maneira violenta mantido congresso carnal com a infeliz menina”, disse na entrevista.

Ainda segundo a denúncia, Dante Michelini usou suas ligações e influência com a polícia capixaba para dificultar o trabalho da polícia. Além disso, testemunhas-chave do processo morreram durante as investigações. Nenhuma dessas acusações foi provada.

Durante o julgamento, Paulo Helal e Dantinho negaram conhecer Araceli ou qualquer outro membro da família Cabrera Crespo.

Julgamento

Em 1980, o juiz responsável pelo caso, Hilton Silly, definiu a sentença: Paulo Helal e Dantinho deveriam cumprir 18 anos de reclusão e o pagamento de uma multa de 18 mil cruzeiros. Dante Michelini foi condenado a 5 anos de reclusão.

Na ocasião, o juiz Hilton Silly disse em entrevista ao Jornal da Globo que os três foram condenados, porque foi provada a materialidade e a autoria do crime.

“Foi através não só da farta prova testemunhal, mas também, sobretudo, da prova indiciária, que é chamada prova artificial indireta por circustancial, baseado em indícios veementes, graves, sérios e em perfeita sintonia de causa e efeito com o fato principal”, afirmou em 1980.

Os acusados recorreram da decisão e o caso voltou a ser investigado. O Tribunal de Justiça do Espírito Santo anulou a sentença, e o processo passou para o juiz Paulo Copolilo, que gastou cinco anos para estudar o processo.

Por fim, ele escreveu uma sentença de mais de 700 páginas que absolvia os acusados por falta de provas.

Processo sobre a morte de Araceli é arquivado em 1991Processo sobre a morte de Araceli é arquivado em 1991

Família

Por longos anos, depois que Araceli foi encontrada morta, a família da menina se recusou a falar sobre o assunto. Em 2016, o irmão dela, Carlos Cabrera Crespo, quebrou o silêncio e lembrou da dor que a família viveu todos os anos depois da morte de Araceli.

“A gente convivia muito e eu sinto muita saudade dela. Apesar de todo esse tempo, não passa um dia que eu não penso nela. Todos os dias da minha vida eu me lembro dela”

Carlos vive hoje no Canadá, junto com a esposa e os filhos. Quando Araceli desapareceu ele tinha 13 anos. O irmão disse que sempre foi muito próximo da menina.

“Ela era cercada de muito cuidado em casa. Eu, por ser o mais velho, tinha muito carinho com ela. Eu não tinha outro irmão, a irmã era ela. Apesar de sermos menina e menino convivíamos muito bem. Meu pai era muito dengoso com ela, por ela ser menina, por ela ser a caçula, ele tinha muito cuidado com ela”, contou.

Entrevista com o irmão de Araceli em 2016'Todos os dias da minha vida eu me lembro dela', diz irmão de Araceli‘Todos os dias da minha vida eu me lembro dela’, diz irmão de Araceli

‘Eu nunca mais vi minha irmã’

Sobre o que aconteceu depois da morte de Araceli, Carlos disse que a família foi prejudicada com as notícias que eram veiculadas na época.

“Eu nunca mais vi minha irmã, meus pais se separaram, minha mãe voltou para a Bolívia, que era a terra dela, o meu pai continuou morando no Bairro de Fátima, mas ele trabalhou quase no Brasil todo. E eu continuei no bairro de Fátima, depois fui para Bolívia com a minha mãe, depois voltei. Eu era criança também, tinha 13, 14 anos, sentia muita falta do Brasil”.

Carlos negou qualquer relação da família com os acusados do crime. “Acusaram essas pessoas o Paulo Helal e o Dante Michelini falando que a minha família, que a minha mãe conhecia sendo que a gente nunca tinha ouvido falar no nome dessas pessoas. A gente conhecia a loja dos Helal que ficava na Praça Oito e a avenida Dante Michelini. A gente nem sabia quem era essa pessoa. Meu pai era um operário, minha mãe era uma dona de casa”, afirmou.

Família se desfez

Depois da morte de Araceli, os pais da menina se separaram. “A minha mãe foi para a Bolívia em 73 e retornou depois de um ano e pouco. Meu pai e minha mãe decidiram se separar e ela foi pra Bolívia outra vez. Meu pai se casou, minha mãe também se casou de novo. E a história é essa. Minha mãe teve duas filhas e meu pai teve uma filha e um filho que moram no Brasil hoje em dia”.

Família Cabrera Crespo. No sentido horário: Araceli; a mãe, Lola; o pai, Gabriel e o irmão, Luiz Carlos. Imagens da época do crime, nos anos 70 (Foto: Montagem sobre imagens de reprodução de A Gazeta e TV Globo)Família Cabrera Crespo. No sentido horário: Araceli; a mãe, Lola; o pai, Gabriel e o irmão, Luiz Carlos. Imagens da época do crime, nos anos 70 (Foto: Montagem sobre imagens de reprodução de A Gazeta e TV Globo)

O pai, Gabriel Sanchez Crespo, morreu em 2001. Já Dona Lola continua morando na Bolívia, mas é viúva. “Está muito doente, ela está com princípio de Alzheimer, estive conversando com ela e minhas irmãs. E eu tinha notado, porque ela sempre repetia a mesma coisa e eu perguntava sobre uma pessoa e ela não se lembrava. Minha mãe já está com 70 e poucos anos, está bem de idade, tem problema na vesícula e já não está muito bem de saúde”.

‘Justiça divina’

Para Carlos, depois de tantos anos, a sensação de impunidade ficou. “Eu acredito que a pessoa que fez isso deva ter sofrido muito na vida. Eu não acho que uma pessoa ao fazer isso possa deitar a cabeça no travesseiro e dormir tranquilo. Se foram essas pessoas ou qualquer que tenha sido, eu fico pensando: eles devem ter casado, ter filho. Como eles olham os filhos, como eles podem olhar no rosto?”, questionou.

“Eu acredito muito em Deus, eu acho que a Justiça dos homens falha, tem muitos erros, e vai falhar sempre, mas a Justiça de Deus, essa aí não tem jeito. É uma certeza que eu tenho, só pelo fato de que se foram eles, porque eu não posso afirmar categoricamente, eu não sei. Se foram eles, já sofreram bastante e vão sofrer mais, porque quando chegar lá em cima as contas vão ser postas em pratos limpos e aí é que vamos ver”.

Em 2015, o G1 visitou alguns locais por onde Araceli passou. Confira o antes e depois:

Casa de Araceli

A construção sofreu pequenas reformas nos últimos anos. O imóvel ainda pertence ao irmão de Araceli, que o recebeu de herança do pai. Desde meados de 1985, a rua, que antes era chamada Rua São Paulo, se tornou Rua Araceli Cabrera Crespo.

Casa onde Araceli viveu no Espírito Santo  (Foto: Viviane Machado/ G1)Casa onde Araceli viveu no Espírito Santo (Foto: Viviane Machado/ G1)

Colégio São Pedro

A escola onde a menina estudava já não existe mais na rua General Camara, Praia do Suá. No lote, foi construída uma igreja.

Colégio São Pedro em 1977 e local em 2015 (Foto: Montagem/ G1)Colégio São Pedro em 1977 e local em 2015 (Foto: Montagem/ G1)

Bar Oasis

Na esquina entre a Rua Ferreira Coelho e a Avenida César Helal, era o local onde Araceli foi vista pela última vez para pegar o coletivo que a levaria para casa. Atualmente, uma loja de cosméticos funciona no local.

Esquina entre a rua Ferreira Coelho e César Helal, em Vitória. Imagens de 1977 e 2015 (Foto: Montagem/ G1)Esquina entre a rua Ferreira Coelho e César Helal, em Vitória. Imagens de 1977 e 2015 (Foto: Montagem/ G1)

Bar Franciscano

Bar e restaurante que pertencia à família Michelini foi derrubado há alguns anos. Atualmente, o lote encontra-se vazio e com algumas placas de propaganda. Está situado em uma região nobre e valorizada da cidade, na avenida Dante Michelini.

Bar Franciscano em 1977. Local foi derrubado e lote está vazio em 2015 (Foto: Montagem/ G1)Bar Franciscano em 1977. Local foi derrubado e lote está vazio em 2015 (Foto: Montagem/ G1)

Cemitério Serra-Sede

Local onde o corpo da menina está enterrado. Eventualmente, o túmulo recebe visitas de pessoas que se interessam pelo caso.

Cemitério Serra-Sede, onde o corpo está enterrado (Foto: Montagem/ G1)Cemitério Serra-Sede, onde o corpo está enterrado (Foto: Montagem/ G1)

Personagens do caso Araceli

Família Cabrero Crespo

  • Araceli Cabrera Sanchez Crespo – A menina de 8 anos foi sequestrada, violentada e brutalmente assassinada. Ela se tornou símbolo do combate à violência contra a criança e o adolescente no Brasil.
  • Lola Cabrera Sanchez Crespo – Mãe de Araceli. Boliviana, veio para o Brasil já adulta, onde se casou com o espanhol Gabriel Sanchez Crespo. Após o desaparecimento da filha, Lola se separou do marido e voltou para Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, onde se casou novamente. Hoje, ela tem dois filhos e está viúva.
  • Gabriel Sanchez Crespo – Pai de Araceli, o espanhol trabalhava como eletricista em uma empresa que prestava serviços para Companhia Siderúrgica de Tubarão. Depois da morte da filha, Gabriel se separou da mulher e formou uma nova família. Ele morreu em 2000, mas deixou além do irmão de Araceli, outros dois filhos.
  • Luiz Carlos Cabrera Sanchez Crespo – Irmão mais velho de Araceli, tinha 13 anos quando a irmã morreu. Ele morou na Serra, no Espírito Santo, mas se casou e foi para o Canadá. Ele é o atual proprietário da casa da família, no bairro de Fátima, na Serra.

Acusados

  • Paulo Constanteen Helal, Dante Brito Michelini (Dantinho) e Dante de Barros Michelini – Os três principais acusados da morte de Araceli. Os Michelini já estiveram entre os maiores proprietários de terra do estado, com interesse na indústria e no comércio. Os Helal estão entre os maiores comerciantes, com interesses na hotelaria e no ramo imobiliário.
  • Paulo e Dantinho continuam vivos e moram no Espírito Santo. Já Dante Michelini já faleceu. À época do crime, ele já tinha mais de 50 anos.
  • Uma das principais avenidas de Vitória recebe o nome do pai de Dante e avô de Dantinho, Dante Michelini (1897-1965), em homenagem aos seus trabalhos no desenvolvimento econômico de Vitória.
  • O fato da avenida ter o nome relacionado à família de um dos acusados do crime já foi motivo de protesto na capital do Espírito Santo. Em 2013, quando o desaparecimento de Araceli completou 40 anos, um grupo se movimentou para mudar o nome da via para Araceli. Ao longo da avenida, os manifestantes colaram adesivos com o nome da menina em cima das placas de identificação da via.
  • Em 2011, Paulo Helal foi preso durante uma operação, suspeito de falsificar documentos entregues ao Departamento Estadual de Trânsito (Detran).

Investigações

  • Nilson Sant’anna – Perito que estudou a causa da morte de Araceli. Ao Jornal Nacional, em 1977, Nilson explicou que a menina morreu após ser submetida a uma intoxicação por barbitúrico, medicamento usado como sedativo. Além disso, ficou evidente que a vítima sofreu traumatismos quando ainda estava viva.
  • Hilton Silly – Juiz responsável pelo julgamento que condenou os principais acusados do crime.
  • Paulo Nicola Copolillo – Juiz que estudou o caso Araceli por cinco anos, depois do julgamento de Hilton Silly. Ele escreveu uma sentença de mais de 700 páginas e absolveu os acusados por falta de provas.
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