04/12/2013 – Advogados analisam o aplicativo Lulu frente à legislação brasileira

04 de dezembro, 2013

(Folha de S.Paulo) Os americanos são aficionados por listas. Está em seu DNA cultural a incansável tentativa de categorizar, ordenar e atribuir notas a tudo que tenham contato.

A revista “Time” apresenta anualmente a lista dos mais poderosos. A “Forbes” relaciona os mais ricos, a “People” os mais bonitos. O filme “Alta Fidelidade” –para muitos, referência cultural deste século– narra a história do dono de uma loja de discos de vinil obcecado pela elaboração das mais diversas listas.

Agora, no momento em que o Facebook torna-se onipresente, com mais de 1 bilhão de usuários no mundo –65 milhões deles no Brasil–, surge nos Estados Unidos um aplicativo que se dispõe a dar notas aos homens, listando-os de acordo com suas qualidades –ou falta delas.

O aplicativo Lulu, oficialmente lançado no país na semana passada, permite que as mulheres –e somente elas– acessem o perfil dos homens no Facebook e, por meio de uma série de perguntas, atribua-lhes notas de 1 a 10, além de oferecer hashtags para classificá-los.

Hashtags são uma forma de indexação que começou a ser usada no Twitter e se espalhou pela internet, na qual se acrescenta o símbolo # a uma palavra qualquer, tornando possível indexá-la automaticamente. O aplicativo fez sucesso: atualmente é o mais baixado no iTunes e Google Play brasileiros.

Entre os operadores do direito, porém, a situação traz uma série de inquietações, e suas consequências já começam a aparecer. Há notícia de que as primeiras ações cíveis contra o Facebook e a Luluvise (empresa desenvolvedora do Lulu) foram ajuizadas e o Ministério Público instaurou um inquérito civil público.

Das hashtags, as depreciativas tiveram maior apelo, transformando o programa também em uma forma de vingança pessoal. Entre as mais usadas estão #maisbaratoquepãonachapa, #prefereovideogame, #arrotaepeida, #tocavuvuzela, #piormassagemdomundo, #curteoromerobritto, #4e20 (analogia ao consumo de maconha).

Em que pese o tom inconsequente de brincadeira, fica clara a possibilidade de que as pessoas sintam-se efetivamente ofendidas por essas e outras expressões. Além disso, graças à enorme quantidade de suas usuárias, há um vasto potencial dessas proliferação de injúrias.

Para os homens que pretendem preservar sua intimidade, são criados diversos obstáculos. Aqueles que tiveram seu perfil avaliado e desejam exclui-lo deverão percorrer tortuoso caminho, expondo, mais uma vez, logados pelo Facebook, seus dados pessoais, que serão armazenados indevidamente pelo Lulu, em troca da exclusão.

A internet traz uma sensação de anonimato que, em regra geral, não condiz com a realidade, mas estimula um comportamento muitas vezes irresponsável. Por outro lado, é certo que a nossa Constituição protege, como garantia fundamental, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. O Código Penal, por sua vez, tipifica como injúria, punível com pena de detenção, ofensa à dignidade ou decoro de outra pessoa.

Por isso, menina, #cuidado!

FERNANDO CASTELO BRANCO, 46, e FREDERICO CRISSIÚMA DE FIGUEIREDO, 36, são advogados criminalistas e conselheiros da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil seção de São Paulo)

Acesse o PDF: #Lulu #injúria (Folha de S.Paulo, 04/12/2013)

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