14/12/2013 – As louras da vez, por Lúcia Guimarães

14 de dezembro, 2013

(O Estado de S. Paulo) Na década de 1960, um popular comercial da companhia de cosméticos Clairol na TV americana perguntava: “É verdade que as louras de divertem mais?”. O slogan era assinado por Shirley Polykoff, uma lendária e rara diretora de criação na indústria da publicidade da época.

Num espaço de cinco dias, duas louras roubaram a cena em eventos planetários por motivos diferentes. Mas foram atacadas e endeusadas por motivos semelhantes. E, certamente, deram sinais de que se divertiram bastante. A primeira-ministra dinamarquesa, Helle Thorning-Schmidt, ensanduichada entre David Cameron e Barack Obama, foi flagrada clicando um selfie do trio durante o tributo a Nelson Mandela, no estádio de Soweto. Em 2011, ela se tornou a primeira mulher a chefiar um governo na Dinamarca.

Na imprensa espanhola, Fernanda Lima é a “namorada da Copa”. Na TV iraniana, foi censurada pelo decote. E, num comercial erótico de lubrificante, que se tornou viral online, aparece trocando carícias com o marido, o ator e apresentador Rodrigo Hilbert. Durante a transmissão ao vivo do sorteio da Copa de 2014, o nome de Fernanda Lima chegou a ser tuitado dez vezes por segundo. Sua página no Facebook teve que ser fechada, invadida por xingamentos de trolls iranianos. Em seguida outra facção criou a página “Iranianos pedem desculpas a Fernanda Lima e Leo Messi”. O jogador argentino do Barcelona também tinha sido vítima de uma torrente de abusos não por expor seu corpo, mas porque Argentina e Irã foram sorteados para o mesmo Grupo F na Copa.

Notem a ironia de que a líder dinamarquesa primeiro circulou na imagem do fotógrafo Roberto Schmidt, da Agência France-Presse, como “funcionária não identificada” entre Cameron e Obama. Ser loura e atraente devia bastar.

Thorning-Schmidt foi acusada de flertar com os dois líderes e de estar se divertindo numa cerimônia solene. Não importa que houvesse números musicais no tributo a Mandela, cuja morte foi saudada com manifestações espontâneas de cantos e danças nas ruas. Michelle Obama, que aparece sisuda na foto, estaria enciumada e dando um gelo em Barack. Não é verdade, disse o fotógrafo da France Presse. Michelle estava sorrindo descontraída pouco antes.

A elegância de Thorning-Schmidt é evidente, mas também controversa, e já lhe valeu o apelido de Gucci-Helle. A líder social-democrata é acusada de gastar demais com roupas e acessórios de grife. Quando dinamarqueses googlavam seu nome durante a campanha eleitoral, uma das primeiras palavras de busca que apareciam era nøgen (nua), embora ela nunca tenha posado como veio ao mundo. Espectadora entusiasmada da série Sex and the City, quando viu a atriz Sarah Jessica Parker chegando a um concerto comemorativo do Prêmio Nobel da Paz em Oslo, no ano passado, pulou de seu táxi, furou a fila de fãs e disse: “Oi, sou a primeira-ministra da Dinamarca”. Fez questão de posar com a atriz.

Qual a chance de Angela Merkel ser flagrada em delito de semelhante tietagem? Nenhuma. Mas, se os atrativos de Thorning-Schmidt lhe rendem votos, o outro lado da moeda é o preconceito que faz com que a mídia não se preocupe em identifica-la corretamente entre seus pares. “Obama flertando com a loura” foi o tom de inúmeras manchetes de tabloides. Mulheres poderosas devem se parecer com Angela Merkel. Esposas podem se parecer com Carla Bruni.

O sucesso meteórico de Fernanda Lima não pode ser dissociado do famoso e infame decote, revelando o resultado do implante que fez depois de amamentar gêmeos, há cinco anos. Uma embevecida audiência planetária a chama de “modelo e atriz”, duas palavras usadas como sinônimos, hoje em dia. Cronistas esportivos estrangeiros mandavam o futebol às favas e só queriam saber da bela Fernanda.

Mas seu apelo visual também foi atacado. Em setembro, o colunista Lauro Jardim anunciou na revista Veja que o casal de atores Camila Pitanga e Lázaro Ramos teria sido oferecido e rejeitado pela Fifa como anfitriões do sorteio de 6 de dezembro. A explicação da Fifa, segundo Jardim, seria a intenção de evitar que o evento se tornasse um programa da Globo. O casal afinal escolhido é também contratado da Globo, o que levou à insinuação de racismo na Fifa, desmentida furiosamente pelo secretário-geral Jérôme Valcke. A atriz Camila Pitanga disse a Sônia Racy, colunista deste jornal, que nem foi sondada para participar do sorteio. Mas a indisposição geral do público brasileiro contra a Fifa pode ter inspirado um promotor da Justiça Criminal de São Paulo, Christiano Santos, a abrir inquérito para apurar se houve “crime de racismo” na rejeição de apresentadores mais representativos do arco-íris étnico brasileiro.

O autor da foto do selfie no tributo a Nelson Mandela escreveu um texto colocando a imagem no contexto do que se passava no momento. O veterano fotojornalista Roberto Schmidt se disse triste em constatar o mundo “obcecado com trivialidades e ignorando o que é verdadeiramente importante”.

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