17/12/2013 – Especialistas alertam para riscos da falta de diálogo entre casais sobre DSTs

17 de dezembro, 2013

(Correio Braziliense) Estudo indica que casais, principalmente os mais jovens, evitam conversar sobre doenças sexualmente transmissíveis. Medo de ser considerado promíscuo e excesso de confiança no parceiro são algumas das razões do arriscado comportamento

Falar sobre sexo com o parceiro pode ser estimulante e divertido. Quando o assunto descamba para a as doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), porém, fica praticamente proibido. A constatação foi feita pela americana Margo Mullinax, da Universidade de Indiana. Ela recrutou 181 homens e mulheres sexualmente ativos, com idade média de 26 anos, para responder a um questionário on-line anônimo. Mais da metade dos participantes estava em um relacionamento monogâmico e a grande maioria relatou que nunca fez testes para DSTs antes de relações sexuais casuais ou nas de longo prazo.

“O objetivo do estudo era traçar estratégias de comunicação em torno dos testes de DSTs entre parceiros sexuais antes, durante e depois da relação sexual. Mas, acima de tudo, eu queria saber que impacto esse processo tem na tomada de decisões a respeito de sexo seguro”, explica a estudiosa. Segundo Mullinax, a maioria dos participantes disse se sentir desconfortável conversando com parceiros sexuais sobre DSTs. “A grande preocupação dos jovens que participaram da pesquisa era a outra pessoa ter uma reação negativa ou se sentir acusada”, explica.

No Brasil, a situação não é diferente da dos Estados Unidos. De acordo com o psicólogo e especialista em sexualidade Mário Ângelo Silva, muitos casais evitam conversar sobre DSTs por causa do tabu que existe acerca da sexualidade. “Acham que pode dar a impressão de que a pessoa é promíscua. Então, o assunto costuma ser evitado”, explica.

A falta de intimidade, de acordo com Flávio Lôbo, terapeuta de casal, também dificulta o diálogo. No caso dos jovens, eles até tentam adotar uma postura de tranquilidade em relação ao assunto, mas, na hora H, surge a insegurança. O especialista em sexualidade sugere que a conversa ocorra no começo do relacionamento para não haver problemas de contaminação. Geralmente, os casais usam preservativos apenas no começo do namoro, enquanto ainda estão se conhecendo. Mas, quando assumem a exclusividade, deixam de usar camisinha. “Se não houver diálogo desde o início, é possível o contágio desde a primeira vez que o casal tiver relações sexuais”, alerta.

Monogamia

No estudo feito por Mullinax, a maioria dos participantes afirmou que não conversa sobre DSTs nem faz testes porque está em uma relação monogâmica. Mas, ainda assim, é possível o contágio dos parceiros. Como aconteceu com Joana* e Luiz*. O casal havia se separado temporariamente quando ela descobriu estar contaminada pelo vírus do papiloma humano, o HPV. “Foi duas semanas depois de terminarmos o namoro. Procurei o Luiz porque ele podia estar contaminado também, mas foi muito difícil começar a conversa”, diz.

Apesar da dificuldade do tema, Luiz adotou uma postura de honestidade com Joana. “Fiquei muito tenso e perguntei se ela tinha feito sexo sem camisinha com mais alguém”, conta. “Ela me garantiu que não. Então, fomos buscar tratamento.” Joana aprovou atitude tomada por Luiz. Até reatou o namoro alguns meses depois. “Ele foi muito respeitoso, não me julgou e me acompanhou ao médico para garantir que estava tudo bem”, conta.

O principal problema enfrentado pelo casal não foi a falta de intimidade, mas a falta de informação. “Eu não sabia o que era HPV até ir ao médico e descobrir que estava com a doença. A gente só vai pesquisar a fundo depois que descobre que está doente”, afirma Joana. Estudos indicam que 80% dos homens infectados pelo HPV não têm sinais que evidenciem a doença, sendo considerados portadores assintomáticos.

De acordo com o psicólogo Mário Ângelo Silva, a falta de conhecimento da população brasileira a respeito de DSTs se dá pelo fato de que não há campanhas específicas voltadas para a prevenção das doenças. “As que não tratam de aids, sífilis congênita (transmitida de mãe para filho) e HPV são escassas”, avalia. Outro empecilho é a falta de diálogo em casa e na escola. “Falar sobre sexo é admitir a possibilidade de que os jovens já tenham relações sexuais, e a sociedade tem uma grande dificuldade em aceitar que as pessoas mais novas são sexualmente ativas.”

Por opção

Silva e Lôbo concordam que, no Brasil, os jovens são mais suscetíveis às DSTs. Por começarem a vida sexual mais cedo, provavelmente terão um número maior de relações sexuais ao longo da vida. “Eles têm mais acesso a informações e já ouviram falar da aids e de outras DSTs, mas, por escolha, não usam preservativo”, diz Silva. O psicólogo afirma que esse comportamento pode estar diretamente associado ao consumo de álcool e de outras drogas.

As liberdades conquistadas em torno da sexualidade também contribuem para a opção por não se proteger. “A geração atual é mais solta do que a década de 1980, quando a preocupação com a aids era maior”, explica Lôbo. A liberdade foi fundamental no diálogo entre Maria* e Carlos* antes mesmo do início do relacionamento. “Nós éramos amigos há muito tempo antes de começarmos a nos relacionar. Isso facilitou muito porque já sabíamos da vida sexual um do outro antes”, explica Maria.

Carlos encara conversas sobre DSTs com toda a seriedade que o assunto demanda. “Eu sempre pensei muito em como me sentiria se contaminasse a pessoa que eu amo por descuido. Já aconteceu de eu não transar com uma garota porque não tinha camisinha na hora, mas ela não levou numa boa”, conta.

Sem notificações

De acordo com o Ministério da Saúde, com exceção da aids e da sífilis congênita, as doenças sexualmente transmissíveis não são de notificação obrigatória, o que dificulta as estimativas de casos no país. Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde, a cada ano, cerca de 1,5 milhão de pessoas são infectadas por gonorreia; 1,9 milhão por clamídia; 640 mil por herpes genital e 685 mil por HPV.

Tratamento conjunto

Quando uma pessoa descobre que infectou alguém ou que foi infectada por uma doença sexualmente transmissível (DST), é necessário buscar ajuda especializada ou assistência médica. O Ministério da Saúde ressalta a importância do atendimento médico para interromper a transmissão e evitar a reinfecção de pacientes. “É importante que o parceiro também seja tratado para cortar a cadeia de transmissão da doença”, reforça Leonor De Lannoy, enfermeira do Centro de Referência em DST e aids da Unidade Mista de Saúde da Asa Sul. Além disso, o contato sexual precisa ser evitado até que ambos sejam tratados.

Conhecer bem o corpo facilita a percepção dos sintomas de DSTs, como feridas, corrimento e verrugas nos órgãos genitais. “Nesse caso, deve-se procurar o centro médico mais próximo para realizar uma consulta e fazer exames para detectar a doença”, explica De Lannoy. A enfermeira ressalta só existem exames para a aids, a sífilis e a hepatite B. “No caso das outras DSTs, tratamos os sintomas que aparecem com antibióticos, se são decorrentes de bactéria; e antivirais, quando a causa é um vírus”, explica.

Os sintomas, porém, não se manifestam em todos os casos, aumentando a transmissão das doenças. “Algumas pessoas estão contaminadas, mas são assintomáticas. Podem passar anos sem sentir nada. Por isso, é importante falar com o parceiro para que ambos procurem tratamento”, explica. “O correto mesmo é  se prevenir. Quando estamos com uma pessoa, estamos também com o passado dela”, alerta a especialista. (FF)

*Nomes fictícios a pedido dos entrevistados

Acesse o PDF: DST, um assunto proibido (Correio Braziliense – 17/12/2013)   

 

 

 

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