19/02/2011 – Itália contra o machismo

19 de fevereiro, 2011

(O Estado de S. Paulo/O Globo) As manifestações que levaram um milhão de pessoas às ruas de mais de 230 cidades da Itália para protestar contra o primeiro-ministro, Silvio Berlusconi, iniciaram debates e reflexões contra o machismo naquele país e desencadearam uma luta pelos direitos das mulheres. Abaixo, artigos retratam a posição da mulher na sociedade italiana.     

(Estadão) Chiara Fuffa, da Universidade de Harvard, e Rosa Raffaelli, doutora pela Universidade de Sant’Anna de Estudos Avançados de Pisa, afirmam que a Itália, apesar de pertencer ao Grupo dos 8 países mais industrializados, “com respeito às mulheres parece presa à Idade Média”.

Um exemplo apontado por elas é a mão de obra feminina: “a Itália sempre esteve na ponta inferior das estatísticas europeias relativas a emprego feminino (somente 46% das mulheres trabalham, em contraste com uma média de 59% no restante da União Europeia), ao salários das mulheres e ao número de mulheres em cargos influentes”.

Manifestações em massa
As estudiosas, porém, estão otimistas diante de milhares de mulheres e homens nas ruas de quase todas as cidades italianas e também no exterior para protestar contra Berlusconi e contra as afrontas à dignidade das mulheres. “Isso se deve, em grande parte, à resposta ao último dos muitos escândalos embaraçosos que revelaram uma sociedade em que as mulheres com muita frequência não são levadas a sério.”

Debates mais amplos
Os escândalos provocaram um debate mais amplo sobre o papel das mulheres na sociedade italiana, que remonta a outubro de 2009, quando, em um programa na televisão, o primeiro-ministro Silvio Berlusconi disse a uma respeitadíssima política de 58 anos: “Você é incrivelmente mais bonita do que inteligente”. Ela replicou: “Eu não sou uma das mulheres à sua disposição, primeiro-ministro”.

TV italiana e uso de corpos femininos
Para Ruffa e Faffaelli, os escândalos recentes são apenas a gota d’água. “Durante décadas, as mulheres foram usadas nos programas de televisão italianos como corpos sem fala servindo para melhorar a audiência. Basta ligar a televisão em qualquer canal e a qualquer momento para se observar isso. Os anúncios publicitários também fazem uso constante de corpos femininos para vender de tudo, de pneus a software antivírus, usando duplos sentidos sexuais, e, por vezes, slogans brutais.”

Machismo em toda parte
As pesquisadoras citaram uma cerimônia de um  prestigioso prêmio literário no qual Campiello, um conhecido jornalista, ao apresentar o prêmio, comentou o vestido curto da jovem e promissora vencedora e pediu que a câmera desse um zoom nele. “No debate que se seguiu, muitos argumentaram que a mulher devia ter usado um vestido diferente se não queria ouvir comentários daquele tipo.”

“Todas nós sofremos, ou vimos amigas sofrerem, com uma forma ou outra de machismo: professores que não nos levam a sério, namorados que esperam que façamos papéis de donas de casa típicas e não estão dispostos a dividir tarefas, parentes nos lembrando de que, sendo mulheres, nós não deveríamos ser excessivamente ambiciosas – deveríamos nos casar com um homem mediano, assumir os afazeres do lar, criar seus filhos, cuidar de seus pais e encontrar um trabalho mediano para ajudar no orçamento familiar.”

Leia o texto na íntegra: Há uma outra Itália, a que dá valor às mulheres (O Estado de S. Paulo  – 19/02/2011)

(Estadão) O suplemento “Aliás” conversou com o filósofo italiano Paolo Flores d’Arcais, ex-professor da Universidade de Roma La Sapienza e diretor da revista MicroMega. Abaixo, trechos da entrevista.

“Berlusconi e seus mercenários midiáticos já tentaram insultar e minimizar a manifestação das mulheres. Mas são tentativas ridículas. Foi um protesto gigantesco: 250 praças de várias cidades, ao mesmo tempo, todas cheias. E com uma participação popular extraordinária de todas as idades, dos jovens aos muito velhos, e de todas as classes sociais. Uma verdadeira manifestação nacional. Ouso dizer, patriótica.”

O governo de Berlusconi não fez absolutamente nada para combater a exploração, em condições de quase escravidão, de tantas mulheres jovens que são trazidas de outros países sob a miragem de um trabalho e acabam obrigadas a se prostituir. Nenhuma luta de verdade contra esse escravismo aconteceu por parte do governo. Em vez disso, elaboraram-se projetos para aumentar as penas contra as prostitutas, que são as vítimas, ou contra seus clientes. Projetos que agora, depois do caso Ruby, o governo de Berlusconi prontamente engavetou.”

Entre todos os danos causados pelo berlusconismo, a igualdade entre homens e mulheres foi a que mais piorou. Quando, ao tratar do desemprego feminino, o chefe do governo aconselha que as mulheres ‘encontrem um marido rico’, não está tendo uma tirada espirituosa – só os imbecis ririam de algo assim. Ele está expressando uma concepção pré-moderna do papel da mulher. E que fique claro: mesmo antes de Berlusconi nunca houve uma efetiva igualdade entre homens e mulheres na Itália As mulheres continuam a receber, para o mesmo posto, salário inferior ao dos homens. No mundo financeiro e no industrial há raríssimas mulheres em cargo de chefia. Um dos poucos setores onde existe igualdade é na magistratura. Mas o fato é que com Berlusconi houve um grande retrocesso nessa questão – retrocesso material e moral.”

Saiba mais: O povo contra o retrocesso (O Estado de S. Paulo – 19/02/2011)

(O Globo) Na matéria “Guerra ao machismo berlusconiano”, o jornal afirma que a politização do sexo na Itália uniu as mulheres contra o primeiro-ministro Silvio Berlusconi.

“O machismo berlusconiano abusa de poder e politiza o sexo. As mulheres trabalhos na TV, cargos públicos e até candidaturas políticas para o Parlamento nacional ou o europeu. Para isso, basta ser bonita e se exibir para o presidente do conselho de ministros, de 74 anos, dançando sem roupa ou fantasiada de enfermeira. Esperando comportadamente que o “papi” — o apelido carinhoso com que chamam Berlusconi — escolha as melhores para passar a noite, quase sempre três ou quatro.

Matéria na íntegra: Guerra ao machismo berlusconiano (O Globo – 20/02/2011)

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