25/03/2013 – Cabo de guerra cor de rosa

25 de março, 2013

(O Globo) O debate  sobre o casamento gay tomou as ruas dos dois lados do Atlântico ontem. Às vésperas de uma sessão histórica da Suprema Corte dos Estados Unidos sobre o tema, prevista para esta semana, centenas de americanos dedi- caram parte do domingo a uma manifestação pa- cífica, em Nova York, pela legalização  do matri- mônio  entre  pessoas  do mesmo  sexo. Em Paris,
300 mil pessoas  tomaram parte do centro  da ci- dade.  Mas a marcha, concentrada em torno  do lendário Arco do Triunfo, tinha  um propósito contrário — condenar a iminente aprovação, no Senado, do plano do presidente François Hollan- de de legalizar o casamento e a adoção de crian- ças por homossexuais até junho.
A manifestação francesa acabou  em confronto. A polícia interveio quando um grupo de cerca de
100 jovens tentou furar, à força, um cordão de iso- lamento da Avenida Champs-Elysées que manti- nha os protestos longe de um dos pontos  mais importantes da cidade.  Imagens  de TV mostra- ram embates, com as forças de segurança dispa- rando gás lacrimogêneo e spray de pimenta con- tra manifestantes vestidos de rosa, a cor dos que se opõe ao casamento gay na França — em con- traste com o amplo uso da mesma cor como sím- bolo do movimento homossexual mundo afora. Muitos entoavam cânticos contra o presidente.
— Uma família é um pai e uma mãe! — grita- vam ativistas conservadores, aposentados, pa- dres e até crianças.
Outros, insatisfeitos com o governo socialista, deram  um tom político à manifestação. Líderes do conservador UMP e da Frente  Nacional,  de extrema-direita, também estiveram presentes.
— Hollande,  renuncie!  — gritava a multidão, antes de entoar o hino francês, “A Marselhesa”.
Entretanto, mais e mais manifestantes se envol- veram na confusão,  que chegou a fechar um cru- zamento junto ao Palácio do Eliseu. Ninguém  fi- cou ferido, mas a líder do Partido Democrata-Cris- tão, Christine Boutin, recebeu atendimento médi- co devido à inalação de gás lacrimogêneo. Segun- do a polícia, duas pessoas acabaram presas.
Telões foram instalados do Arco da Defesa até o Arco do Triunfo. Faixas foram penduradas em varandas onde  se podia  ler: “Não toquem em minha  filiação”, “Queremos emprego,  não casa- mento gay” ou ainda “Não ao gay-extremismo”.

PESQUISAS MOSTRAM PEQUENA MAIORIA A FAVOR No mês passado, mesmo após gigantescas mani- festações de rua contra,  a Assembleia Nacional francesa  aprovou,  por 329 votos a 229, o projeto de lei “Matrimônio para Todos”, que legaliza o ca- samento entre pessoas do mesmo sexo e permite, ainda, que casais gays adotem crianças.
As pesquisas mostram que 51% dos franceses são favoráveis à medida. Os opositores à nova lei, porém, são irredutíveis. Segundo eles, o pro- jeto “perturba totalmente a sociedade, negando o parentesco e a filiação natural”,  algo que teria “consequências econômicas, sociais e éticas in- calculáveis”. Eles defendem que o texto seja sub- metido a um referendo nacional.
— Viemos defender o fato de que a família composta por um pai e uma mãe é o melhor para as crianças. Não desistiremos — disse uma mani- festante identificada como Marie, de 30 anos.
Uma das principais organizadoras da marcha, a ativista que adota  o codinome Frigide Barjot, mandou um recado ao presidente:
— Queremos que o presidente cuide da eco- nomia e deixe a família em paz.
Mas, o projeto de lei seguirá agora para o Se- nado  — também controlado por Hollande  e seus aliados.  Muitos manifestantes prometem acampar diante da Casa em protesto.
Na contramão dos parisienses, os nova-iorqui- nos saíram às ruas em defesa da união entre pes- soas do mesmo  sexo — batalha que vem se tor- nando a maior arena dos direitos civis neste início de século em vários países. A passeata partiu  do Stonewall Inn, o bar onde em 1969 começou a re- volta pelos direitos da comunidade homossexual nos Estados Unidos, e terminou com um ato na Washington Square, no Greenwich Village.
A manifestação visava a uma pressão  de últi- ma hora sobre magistrados e sociedade diante de um debate  marcado para amanhã e quarta- feira na Suprema Corte dos EUA, que examinará dois recursos envolvendo a legalização do casa- mento gay. O próprio presidente Barack Obama já se posicionou a favor da medida.
— Vejo luz no fim do túnel — comemorou Ca- thy Marino-Thomas, presidente da associação Marriage Equality.
Nos EUA, apenas nove dos 50 estados,  além da capital, Washington, legalizaram o casamen- to gay: Maryland,  Washington,  Maine, Nova York, Connecticut, Iowa, Massachusetts, New Hampshire e Vermont.  A Suprema Corte vai analisar dois recursos: um envolvendo a lei que proíbe o casamento gay na Califórnia, e o outro sobre  a questão dos direitos  federais  dos ho- mossexuais já casados legalmente.
— Não sei o que vai fazer a Suprema Corte, mas sei que a opinião  pública está do nosso la- do e que, no fim das contas, venceremos porque a justiça  sempre  vence  — declarou Gilbert Baker, criador em 1978 da bandeira do arco-íris, hoje mundialmente reconhecida como símbolo da comunidade homossexual.

GOVERNO PODE AGIR CONTRA  LEI DA CALIFÓRNIA
No cerne  da polêmica federal, está a definição de casamento, descrito  pela Lei de Defesa do Matrimônio como “a união entre um homem e uma  mulher”  — a que Obama  já se declarou contrário várias vezes em público.
Agora, o governo também considera intervir no caso sobre o casamento homossexual na Ca- lifórnia. Naquele estado, a chamada Proposição
8 declara ilegais as uniões gays, tendo sido apro- vada em um referendo em 2008, pouco  após o Estado legalizar essas uniões.  Em 2010, porém, um tribunal de apelações declarou inconstitu- cional a emenda, e seus defensores, então, deci- diram levar o caso à Suprema Corte.
A batalha na Califórnia é comandada pelo casal Kris Perry e Sandy Stier. Juntas há 13 anos, as duas vivem na cidade de Berkeley e têm quatro  filhos
— os caçulas são gêmeos de 18 anos. As duas irão ao tribunal acompanhar a audiência e esperam poder,  finalmente, se casar. Mas, tentando con- trolar as expectativas, elas disseram à agência As- sociated  Press que, independente da decisão, uma grande mudança está a caminho: os caçulas estão prestes a entrar na faculdade, o que lhes da- rá mais tempo livre para ir ao cinema ou ao teatro.
— É um pouco assustador que nove juízes te- nham  nosso  destino  nas mãos  — disse Anne Kirchoffer, que pretende acompanhar as audi- ências ao lado da esposa.

Acesse o pdf: Cabo de guerra cor de rosa (O Globo – 25/03/2013)  

 

 

 

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