27/07/2013 – Na China, propinas e favores sexuais na disputa pela saúde

27 de julho, 2013

(O Globo) Laboratórios que usaram táticas agressivas estão na mira do governo.

Mea Culpa. Glaxo admite que funcionários podem ter adotado práticas condenáveis nas vendas.

Propinas a médicos, hospitais e servidores públicos, pagamentos por palestras que não acontecem, contratação de acompanhantes e favores sexuais prestados a potenciais compradores compõem a rotina do emergente mercado de medicamentos na China, onde as farmacêuticas multinacionais vêm aterrissando, ávidas, nos últimos anos. Neste cenário, eclodiu há duas semanas o escândalo de subornos que levou à prisão de executivos da farmacêutica britânica GlaxoSmithKline e que já atinge outras companhias do setor.

Enquanto declina na Europa, o mercado de medicamentos cresce com força na China, que promete dar a 1,37 bilhão de pessoas acesso ao sistema de saúde. Os gastos no setor eram de US$ 156 bilhões em 2006, foram para US$ 357 bilhões, em 2011, e devem saltar para US$ 1 trilhão em 2020, de acordo a McKinsey. Entre 2006 e 2011, o gasto per capita subiu de US$ 119 para US$ 261. As receitas das dez maiores farmacêuticas estrangeiras subiram de US$ 4 bilhões para US$ 10 bilhões, e o número de vendedores foi de 6 mil para 25 mil. O país saiu da nona para a terceira posição no ranking global do setor, e deve passar o Japão como o segundo maior mercado nos próximos anos.

Por isso, os laboratórios vêm investindo em centros de pesquisa e nas forças de vendas. Já empregam mais vendedores lá que nos EUA, seu maior mercado. A Glaxo elevou as vendas em 20% no ano passado, quatro vezes mais que em outros emergentes, e com faturamento de US$ 1,5 bilhão. A performance é favorecida pela má reputação dos produtos locais. Os remédios – e outros itens – de marcas estrangeiras, embora mais caros, têm a preferência de grande parte da população porque há muitos produtos falsos no mercado.

Por sua vez, o governo, que controla os preços dos remédios, quer desenvolver a musculatura de empresas nacionais e elevar a competição, o que contribui para o cerco às multinacionais.

O Ministério de Segurança Pública acusa os executivos das farmacêuticas de subornar médicos e hospitais para vender mais. As propinas são dadas por meio de margens – que chegariam a 10% – sobre remédios prescritos – e remunerações exageradas em conferências, que nem sempre são realizadas. A Glaxo pagou US$ 489 milhões, ao longo de seis anos, a agências de viagens que organizavam os eventos. Contratação de mulheres como acompanhantes também seria parte da estratégia de convencimento. No vale-tudo pelos resultados, vendedores também prestariam favores sexuais a médicos, de acordo com a agência oficial Xinhua, que citou entrevistas com policiais. O texto afirma ainda que a meta de crescimento de vendas da Glaxo foi de 30% ao ano nos últimos dois anos.

Endêmica na China, a corrupção na saúde é turbinada pela baixa remuneração dos médicos: em Pequim, recém-formados ganham cerca de US$ 490, e os que têm uma década de experiência só chegam a US$ 1.630. Os hospitais públicos são autorizados a pagar bônus, mas não o fazem, pois têm orçamento limitado: metade da receita vem de serviços médicos (eles fixam taxas para internação e exames, mas o governo tabela as cirurgias) e 40% da prescrição de remédios, de acordo com o Ministério da Saúde. O restante vem de outras fontes, como aportes do governo, que vem caindo desde os anos 80. Sem propinas, o sistema corre risco de colapso.

Até pouco tempo, a China concentrava suas investigações (e punições) em agentes do governo e empregados de estatais. Agora, está enquadrando também os corruptores, e os executivos da Glaxo servirão de exemplo. Trata-se do primeiro caso apoiado na nova lei anticorrupção, em vigor há dois anos. O problema é que falta transparência às investigações. A polícia faz visitas aos escritórios e confisca documentos, sem explicitar como acontecem as inspeções. Agências de notícias não conseguiram falar com o executivo da Glaxo que, em entrevista a um canal estatal, admitiu subornos. Ele é um dos quatro funcionários de nacionalidade chinesa detidos no início do mês, quando o diretor executivo tratou de sair do país. Ontem, a empresa anunciou um novo nome para o cargo, enquanto a agência Xinhua noticiava a prisão de mais 18 funcionários da empresa, na cidade de Zhengzhou. Também disse que 39 funcionários de um hospital em Guangdong serão punidos por receber US$ 460,3 mil em propinas.

Não será surpresa se outras empresas e hospitais forem envolvidos em investigações nos próximos dias , avisou a agência. Executivos de outra farmacêutica britânica, a AstraZeneca, foram questionados. A UCB também já recebeu visita de agentes do governo. Por terem usado as mesmas agências de viagem que a Glaxo, Merck, Sanofi, Roche e Novartis já são consideradas alvos das autoridades.

Acesse o PDF: Na China, propinas e favores sexuais na disputa pela saúde (O Globo, 27/07/2013)

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