27/11/2011 – Revoluções árabes só triunfarão de verdade se as mulheres tiverem o seu lugar respeitado

27 de novembro, 2011

(Folha de S.Paulo) “Lutamos por décadas como mulheres jornalistas para conseguir que nossos editores nos tratassem como iguais. Não entendo como uma organização dedicada à liberdade de imprensa pode recomendar uma discriminação como essa”, protestou Lindsey Hilsum, editora internacional do Canal 4 britânico diante do comunicado divulgado pela seção francesa da ONG Repórteres sem Fronteiras pedindo aos veículos de comunicação que parassem de enviar jornalistas mulheres para cobrir os protestos no Egito. A orientação resultou das violências sexuais sofridas por duas jornalistas no Cairo: a primeira há alguns meses na praça Tahrir e a outra, a jornalista egípcia Mona Eltahawy, durante esta semana em mãos das forças de segurança do governo. Leia a seguir trechos do artigo intitulado “A praça é do povo. E das mulheres”, do jornalista Clovis Rossi: 

“Acosso sexual ou ataque é inegavelmente um problema, absolutamente horrível, mas isso não significa que as mulheres devam ser intimidadas a não fazer reportagens em situações difíceis. Jornalistas homens tem sido atacados e mortos nas revoltas [árabes] deste ano, mas não ouvimos apelos para que eles deixem os locais onde trabalham.” Bingo, Lindsey. O problema no Egito e nos países árabes em revolta é exatamente o inverso de “o lugar da mulher é em casa”, implícito no apelo da RSF-França, depois retirado de sua página na internet.”

“Se prevalecer a ideia de que a mulher é um bibelô a ser preservado, prevalecerá também a interpretação mais obscurantista do Islã, segundo a qual a mulher é propriedade do homem, e não ator com vontade própria.

Essa desgraçada cultura impregna ainda o mundo todo, a ponto de exigir um Dia Internacional contra a Violência de Gênero, transcorrido justamente na sexta-feira da nota da RSF-França.”

“No mundo árabe, essa (in)cultura é mais forte, exatamente pelo ranço da interpretação radical do Corão. O “Guardian” ouviu Rebecca Chiao, que dirige no Egito uma entidade que mapeia a violência contra as mulheres. Rebecca contou que pesquisa de 2008 mostrou que 83% das mulheres consultadas relataram acosso sexual, três quartos delas usando o véu islâmico. E 98% das estrangeiras disseram ter sido intimidadas ou bolinadas.

O problema, portanto, está longe de ser enviar ou não mulheres jornalistas à praça Tahrir. Está em conseguir uma transição para democracias, nas quais partidos islâmicos serão inexoravelmente relevantes, de tal forma que as mulheres possam ir a toda parte, aos palácios de governo inclusive, sem medo e sem discriminação. Só assim as revoluções triunfarão de verdade.”

Acesse na íntegra: A praça é do povo. E das mulheres, por Clovis Rossi (Folha de S.Paulo – 27/11/2011)

Leia também: Candidata à Presidência diz ter sofrido assédio sexual (Folha de S.Paulo – 28/11/2011)

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