Em debate sobre direitos reprodutivos organizado pelo Cebes, a constatação de que o país dá passos para trás. Mudar o rumo e garantir a saúde e a dignidade às mulheres exige entender suas particularidades e romper com preconceitos patriarcais
Em meio a toda a cacofonia de sentidos e valores com a qual o bolsonarismo impregnou a sociedade brasileira, os prejuízos práticos da pauta moral caíram com muita força sobre os ombros das mulheres. Mais vulneráveis, elas pagaram o preço do desmonte de políticas públicas fundamentais, muitas vezes com suas próprias vidas – o que fica claro na revelação do aumento das mortes maternas no Brasil. Aliado a isso, um discurso ultraconservador fez retroceder até os direitos já conquistados, em especial no âmbito sexual e reprodutivo.
“Ficamos animadas quando Argentina e Colômbia conquistaram direito ao aborto, mas Brasil e Chile, que teve Michele Bachelet presidente duas vezes, não conseguem encaminhar”, afirmou Eleonora Menicucci, ministra-chefe da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres no governo de Dilma Rousseff. Socióloga, professora de Saúde Coletiva e ex-combatente da ditadura militar, ela foi a protagonista do debate Garantir direitos sexuais e reprodutivos na Saúde Integral de todas as mulheres, promovido pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes). A conversa, mediada por Lenaura Lobato, contou ainda com a participação de Ana Costa, diretora do Cebes, médica e professora.
Mas a ex-ministra pondera que, quando se fala em direitos reprodutivos, é preciso pensar muito além do aborto. “Direitos reprodutivos são parto, pré-natal, puerpério, climatério, menopausa, sexualidade… São ações que integram a Polícia Nacional de Atenção Integral à Saúde (PNAIS). A sociedade avançou muito nisso, entende diferentes orientações sociais. Temos uma mulher trans em secretaria de governo, um avanço fenomenal. Mas quando falamos de direitos reprodutivos, pensa-se só em aborto”, explicou Eleonora. Ana já havia feito crítica semelhante nesta entrevista ao Outra Saúde.
Apesar desse caráter amplo, as debatedoras não esconderam ser inevitável a eleição do aborto como tema central, uma vez que os setores conservadores, religiosos e neofascistas da sociedade brasileira fazem disso uma de suas moedas mais valiosas na prática da velha e fisiológica política. Enquanto isso, as mulheres vão ficando para trás.
Eleonora descreve a tragédia “Hoje as mulheres estão morrendo por falta de serviços de aborto legal, casos previstos em lei. Precisamos resgatar tais serviços, a fim de evitar casos como o das meninas de ES e SC que passaram por humilhação. Temos de continuar falando sobre isso, temos de recuperar todos os serviços de aborto legal, quando há risco de morte materna ou anencefalia, como protegido por decisão do STF. Tais serviços estão destruídos”.