Com projeto de lei no Congresso, debate sobre legalização do aborto esquenta na Argentina

29 de abril, 2014

(Opera Mundi, 29/04/2014) É a quinta vez que o texto chega ao parlamento; apesar da dificuldade para aprovação, tema ganha espaço no debate político

Demanda antiga de movimentos feministas e cada vez mais presente na mídia, em conversas informais ou como tema de protesto nas ruas, o aborto chegou novamente à Câmara de Deputados da Argentina. No início de abril, um projeto de lei que legaliza a interrupção voluntária da gravidez foi apresentado à casa pela quinta vez desde 2007.

Considerada como “uma dívida da democracia” por militantes do país, é a primeira vez que a legalização do aborto chega ao Congresso desde que O argentino papa Francisco está à frente do Vaticano.

“Apresentamos o mesmo projeto a cada dois anos porque a Câmara nunca chega a tratar a matéria”, explica Julia Martino, integrante da Campanha pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito, que reúne mais de 300 organizações desde 2005. Na Argentina, um projeto de lei caduca quando é submetido ao Congresso e não é sancionado por nenhuma das casas no mesmo ano de sua apresentação.

Apesar da mudança no cenário político com a eleição de um papa argentino, Martino considera que o apoio de mais de 60 deputados de diferentes blocos pode ser um sinal de que a legalização do aborto tem mais adeptos dentro do legislativo.

“Diferentemente de outras vezes, houve muitos deputados presentes na apresentação do projeto. Uma coisa é assiná-lo, outra é aparecer, colocar a cara”, avalia Mara Brawer, deputada federal pela FpV (Frente para a Vitória), partido da presidente Cristina Fernández de Kirchner. “Isso significa que, com o passar dos anos, as convicções estão mais fortes.”

No entanto, Brawer, que apoia o projeto, reconhece que ainda há muitas dificuldades para debater o aborto no parlamento. “Para além da chegada de (Jorge) Bergoglio ao Vaticano, o assunto é complexo porque ano que vem há eleições”, aponta. “Como é um assunto que gera polêmica, quem não está convencido de que o aborto deve ser legal, não se arrisca a apoiar. E há também os que são favoráveis, mas preferem não apoiar a medida publicamente.”

Distância

Fora do legislativo, a realidade é outra. Em novembro de 2013, o documentário “Eu Aborto, Tu abortas, Todxs nos calamos” chegou às salas de cinema com depoimentos de sete mulheres, inclusive a diretora do filme, Carolina Reynoso, sobre suas experiências com a interrupção voluntária da gravidez.

Também nas ruas, principalmente através dos debates e mobilizações dos ENM (Encontro Nacional de Mulheres) – que acontecem todos os anos em diferentes cidades argentinas, desde 1986 -, o aborto legal ganha apoio. Em outubro de 2012, o jornal Página/12 divulgou uma pesquisa da consultora Ibarómetro que revelava que 57,8% dos mil entrevistados em todo país defendiam que o aborto fosse legal. 28,3% afirmaram que a interrupção voluntária da gravidez deveria seguir ilegal e 14% não responderam à pergunta.

Segundo a deputada Mara Brawer, “há mais consenso sobre a legalização do aborto nas ruas do que no parlamento”. Mesmo dentro de seu bloco, majoritário em ambas as casas do Congresso, ela admite haver dificuldades para conseguir o apoio necessário para o tratamento da lei.

“A decisão política é uma construção permanente. Eu não posso obrigar os deputados da força da qual eu faço parte a votarem como eu, e isso acontece em quase todas as forças onde há deputados que apoiam individualmente a legalização do aborto”, justifica a deputada.

No entanto, Brawer lembra que a líder do bloco da FpV na Câmara, Juliana Di Tullio, apoia a legalização da interrupção voluntária da gravidez e garante que há liberdade dentro de seu partido para fomentar o debate no legislativo. “A presidente (Cristina Kirchner) já disse que, se conseguirmos os votos necessários para a aprovação no Congresso, ela não vai vetar a lei.”

Para Julia Martino, há maior aceitação social do aborto hoje na Argentina. “Deixou de ser tabu. É um assunto que se debate em família e em programas de televisão. Em lugares onde o direito ao aborto não-punível é negado, o assunto se instala na sociedade durante bastante tempo, o que dá visibilidade e ao mesmo tempo desmitifica a prática”, analisa.

Aborto não-punível

A pesquisa da Ibarómetro foi realizada alguns dias depois do chefe de governo da cidade de Buenos Aires, Mauricio Macri (PRO – Proposta Republicana), vetar uma norma que regulava os abortos não-puníveis – quando há risco de vida para a mulher, má-formação do feto ou em casos de estupro – na capital argentina. A medida, aprovada pela legislatura portenha em setembro de 2012, acompanhava a decisão da Corte Suprema argentina, de março do mesmo ano, que determinou por unanimidade que, em casos previstos pela lei, o aborto deve ser realizado sem necessidade de judicialização.

Na ocasião, Macri aproveitou uma coletiva de imprensa para revelar a hora, a data e o hospital onde uma mulher vítima de tráfico de pessoas e estuprada por seus raptores iria exercer seu direito ao aborto. Os dados facilitados pelo chefe de governo serviram para que organizações ultracatólicas apresentassem um recurso judicial, acatado pela juíza Myriam Rustán de Estrada, que impediu a realização do primeiro aborto não-punível na capital argentina. Em maio de 2013, Rustán Estrada renunciou a seu cargo.

Em Salta, estado do noroeste argentino, o juiz Víctor Raúl Soria protagonizou episódio parecido. Em novembro de 2013, o magistrado proibiu que qualquer médico do estado realizasse o aborto de uma adolescente de 13 anos que havia sido estuprada por seu padrasto. Dessa vez, a vítima conseguiu abortar em Buenos Aires, depois do esforço de sua mãe.

O caso chegou à Corte Suprema de Salta, que decidiu que a jovem tinha direito a realizar o aborto. A atuação de Soria no caso está sendo analisada pelo Júri de Processamento de Magistrados saltenho desde o dia 21/04 e espera-se uma decisão para os próximos dias.

Segundo dados do Ministério de Saúde da Argentina, abortos praticados de forma insegura foram responsáveis por 20,5% das mortes maternas em 2010. Um relatório sobre direitos sexuais e reprodutivos apresentado em 2012 ao Conselho de Direitos Humanos da ONU por organizações sociais do país revelou que cerca de 60 mil mulheres são internadas na rede pública de saúde todos os anos por conta de abortos clandestinos.

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