Criminalização do aborto contribui para abismo social entre as mulheres

21 de julho, 2014

(UFPE, 21/07/2014) A criminalização do aborto aumenta o abismo social entre as mulheres e representa um aspecto que impossibilita a democratização social ao comprometer, principalmente, mulheres jovens, negras e de classes populares. É o que afirma a dissertação de mestrado “‘Era o meu corpo, era meu momento, era minha vida’: uma análise dos itinerários abortivos de mulheres jovens da Região Metropolitana do Recife – PE”, da assistente social Nathália Diórgenes Ferreira Lima. Defendido em fevereiro deste ano, no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFPE, o trabalho analisa a questão da criminalização do aborto e seus efeitos através dos conceitos de gênero, classe e raça.

Orientada pela professora Rosineide de Lourdes Meira Cordeiro, a pesquisa identificou diferenças entre os itinerários abortivos de mulheres brancas e negras, de diferentes classes sociais. Conforme o estudo, às mulheres negras e de classes populares estão reservados os caminhos mais dramáticos. Essas jovens são as que mais sofrem porque, além de viverem em uma sociedade que as rotula como criminosas, enfrentam a falta de estrutura do serviço público de saúde e, muitas vezes, por falta de condições, recorrem a métodos abortivos insalubres.

Ao todo, foram realizadas dez entrevistas com mulheres de idades entre 19 e 28 anos, residentes em diferentes locais da Região Metropolitana do Recife e provenientes de classe média alta, classe média e classes populares. Estas últimas foram separadas entre jovens com maior e com menor escolaridade. São mulheres brancas e negras. O método escolhido foi o de pesquisa qualitativa de orientação feminista, que dá visibilidade às experiências das mulheres. “Por uma preocupação ética e metodológica para os feminismos, é preciso fazer com que as vozes das mulheres sejam escutadas sem explorá-las nem distorcê-las”, explica Nathália.

Também foi observado nas entrevistas que o desejo ou não de ser mãe faz parte do contexto da decisão, orientando de que maneira ela é tomada. Isso reflete no aborto como um processo de incertezas, no qual elementos objetivos e subjetivos se cruzam. Segundo a pesquisadora, o “momento ideal” da maternidade faz parte de um sistema de valores e normas sociais que regem as condições ideais para se ter uma criança. A mulher pode ter o desejo de ser mãe e não ter condições no momento da gravidez. Além disso, a pesquisa quebrou o mito de que jovens recorrem ao aborto por terem feito sexo irresponsável, já que apenas uma das entrevistadas afirmou não ter usado método contraceptivo no momento em que engravidou.

Há alguns anos engajada no Movimento Feminista, Nathália acompanhou de perto diversas histórias sobre aborto e os dramas causados pela ilegalidade da prática. O interesse em desenvolver estudos na área surgiu durante a graduação em Serviço Social, também pela UFPE, quando participou do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic), no subprojeto intitulado “Mulheres e Proteção Social: uma análise dos serviços de atenção à saúde voltados para mulheres no Recife”. “Estudar saúde da mulher significa esbarrar na questão do aborto, de certa forma, pois é uma das principais causas de morte materna no Brasil”, destaca a pesquisadora.

Segundo ela, a relação entre classe, raça e percursos abortivos ainda é pouco explorada. “Existem poucos estudos focados em itinerários”, diz a autora ao explicar a decisão por estudar todo o caminho, desde o momento em que as jovens se descobriram grávidas até o drama do pós-aborto. Através de relatos e vasto embasamento teórico, o texto enfatiza o quanto a criminalização do aborto potencializa as desigualdades existentes entre as mulheres porque as relega a momentos de medo, sofrimento e dor.

Nathália Diórgenes conclui que o corpo é um território político, e que este princípio é fundamental para que se avance no campo dos direitos das mulheres e da igualdade de gênero. “E se avançamos na igualdade de gênero, avançamos também em cidadania, democracia e desenvolvimento social. Não podemos pensar sociedades democráticas se as mulheres jovens, negras e pobres ainda morrem com agulhas de crochê perfurando seus úteros”, afirma a pesquisadora.

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