Deputados batem boca ao discutir texto que pode proibir aborto em qualquer circunstância

21 de novembro, 2017

Cercados por manifestantes, deputados federais bateram boca nesta terça-feira (21) na comissão especial na Câmara que discute um texto com trecho que, segundo os críticos, proibiria a prática do aborto em qualquer circunstância.

(UOL, 21/11/2017 – acesse no site de origem)

Embora marcada para as 14h, a reunião da comissão foi aberta somente por volta das 15h50, quando se atingiu o quórum de 18 deputados registrados. Isso porque o grupo contra a inclusão dos trechos se recusou a marcar presença e não queria a abertura da reunião.

No meio tempo, o presidente da comissão, Evandro Gussi (PV-SP) – a favor do texto como está – e a deputada Érika Kokay (PT-DF) – contra os trechos – discutiram sob gritos de manifestantes pela rejeição da PEC. Gussi questionou Érika como poderia modificar o texto para que fosse aceito e os destaques pendentes, votados. Ele sugeriu que os casos já previstos em lei fossem explicitados para que continuassem inalterados.

Manifestantes criticam PEC que pode proibir aborto (Foto: Luciana Amaral/UOL)

Porém, os ânimos de ambos os grupos se exaltaram no decorrer do debate e a proposta foi recusada. O deputado Flavinho (PSB-SP), a favor do texto, afirmou que o grupo pró-aborto não queria “defender as mulheres”. Em resposta, Érika falou que os trechos eram um “cavalo de troia” e que os deputados eram “mais desonestos do que pensava”. Ao redor dos parlamentares, manifestantes gritavam “assassinos”, “pela vida das mulheres” e “estupro e machismo, não”.

Na avaliação de Érika, o tema do aborto foi incluído na PEC de forma “oportunista” e não estava previsto na discussão original. Ela argumenta que a medida criaria uma prerrogativa de criminalizar o aborto em qualquer situação, pois os trechos alterados constariam na Constituição, que rege o Código Penal.

“Acham que seus dogmas são superiores aos dados científicos, à toda a constituição humana. É uma concepção misógina, covarde dos que querem utilizar instrumentos sorrateiros porque essa é uma PEC de Troia. No bojo dela não existe uma conquista das mulheres, que seria a extensão da licença maternidade para partos prematuros, mas a destruição do seu próprio direito”, argumentou. “É uma modificação na cláusula pétrea, portanto estão querendo transformar em cláusula pétrea a inviolabilidade da vida desde a concepção sem nenhuma exceção.”

Comissão também teve protestos a favor do texto (Luciana Amaral/UOL)

Gussi rebateu a tese de Érika e afirmou que os abortos nos três casos previstos não seriam alterados. Segundo ele, os trechos não modificam o Código Penal e buscam apenas reforçar a legislação já existente.

“Desde o início tínhamos certeza que o texto não interferiria nas situações de estupro e risco a gestantes. Oferecemos proposta de acordo para deixar isso ainda mais claro, mas não querem isso. Na verdade, querem o aborto”, disse.

Na discussão, a deputada Luiza Erundina (PSOL-SP) acusou Gussi de dizer que ela estaria cochilando durante a votação do texto principal ocorrida na semana passada. Ela reclamou que a afirmação era desrespeitosa e pediu que a fala fosse incluída na ata da reunião.

Entenda a PEC

A comissão foi originalmente criada para analisar PEC (Proposta de Emenda à
Constituição) 181, de autoria do senador Aécio Neves (PSDB-MG), para estender o tempo da licença-maternidade nos casos de partos prematuros. A proposta defende que a licença seja prorrogada na quantidade de dias em que o recém-nascido passar internado limitados a 240 dias ao todo.

No entanto, o texto foi modificado pelo relator, Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), que propôs modificações em dois artigos do início da Constituição, que tratam dos princípios fundamentais da República. No artigo 1º, Mudalen quis incluir “desde a concepção” após “a dignidade da pessoa humana”.

No artigo 5º da Constituição, Mudalen propôs incluir o trecho “desde a concepção” após o trecho “direito à vida”. Ou seja: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”.

Na prática, as modificações poderiam inviabilizar a prática do aborto no Brasil, inclusive nos casos em que ele já é previsto por lei: gravidez decorrente de estupro, feto anencéfalo – sem cérebro – e quando colocar a vida da mãe em risco.

Na semana passada, a PEC foi alvo de protesto de mulheres em várias cidades do país.

Na sessão de hoje, a educadora social Thelma Mello levou cartazes para a comissão com o escrito “Senhor deputado, não seja mais um estuprador” e “pela vida da mulher”. Para ela, a PEC tinha um objetivo positivo de estender a licença maternidade para mães de prematuros, mas foi desvirtuada.

“Temos um bando de deputados oportunistas que não têm nenhum compromisso com o direito reprodutivo das mulheres nem no que diz respeito à mulher. Veem a mulher como objeto, como a maioria da sociedade brasileira vê. Colocaram essa questão da vida a partir da concepção retrocedendo até os anos 1940, que é do Código Penal, que afirma que temos direito ao aborto legal em casos de estupro, então, quando fazem isso, por meio da PEC, derrubam o Código Penal. É o avanço do fundamentalismo”, falou.

Já a publicitária Ester Luíza é a favor da PEC por entender que o aborto é crime em qualquer caso, inclusive nos previstos em lei. Na sua concepção, a mulher não pode abortar por entender que o bebê não é uma “extensão” dela.

“O direito à vida deve ser dado desde a concepção. O bebê não é uma extensão do corpo da mulher. Ela tem o seu corpo e o bebê, outro. Sou contra em todo tipo de caso, como encefalia, estupro. Não acredito que a mulher tem o direito de matar uma vida. O bebê não tem culpa do que aconteceu, não tem como se defender, é inocente. Encaro o aborto como assassinato”, afirmou.

A reunião foi interrompida por volta das 16h45 devido à ordem do dia na Casa – quando há sessão com votação em plenário, todos os outros trabalhos devem ser paralisados. Se as votações terminarem antes de meia-noite, Gussi disse que avaliará convocar a retomada da comissão especial ainda nesta terça.

Luciana Amaral

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