Editorial de O Globo sobre o perdão do Papa a mulheres que fizeram aborto: É importante acolher

21 de setembro, 2015

(O Globo, 21/09/2015) A decisão que o Papa Francisco tomou, no início deste mês, de permitir que sacerdotes perdoem mulheres que tenham feito aborto e que peçam remissão pelo ato, não é, por óbvio, uma manifestação do Vaticano favorável à interrupção induzida da gravidez. A iniciativa do Sumo Pontífice precisa ser analisada à luz de uma sutileza que, de qualquer forma, não esconde uma mudança importante em relação a esse tema, dos mais sensíveis sob qualquer ângulo pelo qual seja avaliado (religioso, social, ético, médico e até econômico).

A Igreja não aceitou a contracepção em si. O perdão papal terá um período definido no tempo para ser concedido — ao longo do próximo Ano Santo Católico, de dezembro de 2015 a novembro de 2016. O que a sutileza da mensagem de Francisco aos padres não mitiga é que, sem dúvida, a licença de remissão parece ser um passo importante para o Vaticano flexibilizar sua relação com o aborto.

Sobretudo, a recomendação de Francisco chama atenção para um aspecto da questão que transcende crenças e, mesmo, a legislação: a necessidade, quando nada por demonstração de humanismo, de dar acolhimento a mulheres que tenham passado por essa experiência, traumática sob todos os ângulos. É inegável o avanço que tal iniciativa representa para uma igreja que tem procurado enfrentar, com olhar mais contemporâneo, antigos tabus — como o homossexualismo, por exemplo.

O significado dessa orientação, para o Brasil, está principalmente nesse aspecto. Ela não fere o princípio da laicidade do Estado, o que está fora de pauta. Mas quando aponta para a necessidade de, dogmas à parte, oferecer acolhimento às mulheres, a Igreja sinaliza positivamente que esse deve ser o paradigma. O país consagra na lei três casos em que o aborto é permitido: a gravidez decorrente de estupro, risco para a vida da gestante e a gestação de feto com anencefalia. Ainda assim, não são poucos os episódios em que fica evidente o despreparo da rede pública de saúde (SUS) para lidar com pacientes dentro desse espectro.

A contracepção, por quaisquer motivos, é tema recorrentemente sujeito a debates. Na eleição presidencial de 2010, por exemplo, foi o mote de uma intensa discussão, e é compreensível que assim seja. O que não se pode deixar de lado é que, legal ou não, o aborto alimenta indicadores de uma grande tragédia no plano da saúde pública: em torno de 850 mil mulheres recorrem, por ano, a práticas clandestinas de interrupção da gravidez. Essa é a quinta maior causa de morte materna no Brasil.

O número de procedimentos relacionados à contracepção supera o de internações e atendimentos por câncer de mama ou no colo do útero, na rede do SUS. A par de seus aspectos legais, trata-se de grave problema de saúde pública. Como tal deve ser enfrentado, inclusive no Congresso, onde é preciso inibir quaisquer tentativas de contrabandear retrocessos para a questão, sempre uma perigosa atração para bancadas de pensamento mais retrógrado. A flexibilidade explícita na orientação do Papa pode ser um estímulo decisivo para o país enfrentar esse flagelo com olhos mais humanitários.

Acesse no site de origem: Editorial de O Globo sobre o perdão do Papa a mulheres que fizeram aborto: É importante acolher (O Globo, 21/09/2015)

 

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