Endometriose: uma doença silenciosa que afeta milhões de mulheres

28 de setembro, 2015

(Observador, 28/09/2015) É uma doença que afeta mulheres em todo o mundo, mas que é ainda muito desconhecida. Mascarada pelos sintomas aparentemente “normais” da menstruação, pode ser uma causa de infertilidade.

A endometriose é uma doença que afeta cerca de uma em cada dez mulheres em idade reprodutiva, e que a maioria das vezes tem um diagnóstico difícil. É mascarada por cólicas e dores intensas, que na maioria das vezes são encaradas como culpa “daquela altura do mês” ou ainda “daqueles problemas de mulheres”.

A maior parte das mulheres que sofrem de endometriose acaba por não receber a assistência clínica atempada e necessária, já que os sintomas são também ignorados pelos médicos, que não os reconhecem (ou não estão sensibilizados para esta doença), passando por vezes muitos anos até que a patologia acabe por ser identificada. Durante esse tempo, as mulheres podem sofrer com dores bastante severas e serem incapazes de trabalhar, socializar ou manter uma relação sexual. Esta doença pode ainda ser uma causa de infertilidade, avança o The Guardian.

A endometriose é uma doença em que tecidos similares ao endométrio (que reveste o útero) estão presentes fora dele, na região pélvica, abdômen, ovários, bexiga ou intestinos, provocando dores agudas, por vezes confundidas com cólicas menstruais.

A diretora da Fundação de Pesquisa Mundial de Endometriose e da Sociedade Mundial de Endometriose, Lone Hummelshoj, considera que é um “grande escândalo” a falta de financiamento para uma doença que afeta tantas mulheres.

Muitas mulheres contam que os sintomas são ignorados pelos próprios médicos. O The Guardian fez um inquérito e muitas das inquiridas responderam que os médicos acreditavam que tudo aquilo podia não passar de uma obsessão. Uma delas, Niki Dally, do Reino Unido, contou que começou a sofrer de endometriose desde os 11 anos e que a sua mãe achava que ela era hipocondríaca. “Um médico disse-me: ‘isso está na tua cabeça e tens de saber lidar com isso’”, acrescentando que lhe prescreveu medicamentos para as náuseas e vómitos.

Uma trabalhadora do Centro de Endometriose, Heather Guidone, em Atlanta, contou que ela própria já passou por 22 operações face a uma endometriose severa e acrescenta que continua a dizer-se às mulheres que é suposto sofrer aquele tipo de dores. Um conjunto de clichés, que continua a envolver as questões da menstruação.

“As pessoas que temos entrevistado nunca ouviram falar dela [da doença]”, afirmou a chefe-executiva do centro de endometriose no Reino Unido, Jane Hudson Jones, acrescentando que pode ser uma doença devastadora.

Um outro testemunho revela as consequências negativas da doença. Carol Pearson conta que teve de desistir da carreira, porque acontecia estar doente muitas vezes. Fez várias cirurgias à bexiga, intestinos, que não cicatrizaram bem e que deram origem a várias idas ao hospital. Tinha dores menstruais desde os 11 anos de idade e demorou cerca de 20 a chegar ao diagnóstico. As relações sexuais com o seu marido eram dolorosas e só quando começou a sangrar bastante é que percebeu que a doença já estava num estado muito avançado.

A única forma de diagnosticar a endometriose é através de uma cirurgia, geralmente por laparoscopia — técnica em que são utilizados “tubos” através dos quais são introduzidos vários instrumentos no abdómen. Nos casos mais graves a remoção do tecido pode ser bastante difícil, já que pode envolver órgãos como os intestinos e bexiga. Ainda assim, Lone Hummelshoj considera que mesmo os casos mais graves podem ser tratados desde que as mulheres tenham acesso a cuidados especializados. “Infelizmente a cirurgia é tão especializada como uma cirurgia de cancro”, disse.

Um especialista australiano, Geoff Reid, defende que a doença pode estar a evoluir num sentido mais agressivo e conta que lhe chegam cada vez mais casos, em jovens mulheres de 20 anos. “Todos temos parentes sem filhos e tenho a certeza que muitos são e foram afetados por infertilidade relacionada com a endometriose”, afirmou Reid.

O ginecologista belga Thomas D’Hooghe apontou, num estudo em 2008, que a endometriose pode mesmo ser um grande fator de infertilidade. A sua equipa realizou cerca de 221 laparascopias a mulheres inférteis, cujos sintomas não eram óbvios. Os resultados revelaram que as mulheres apelidavam de “normal” a dor durante a menstruação. Cerca de 47% delas tinham endometriose e 40% estavam numa fase avançada da doença.

Os cuidados a que as mulheres têm acesso variam de país para país e, sobretudo, daquilo que cada sistema de saúde está disposto a pagar pelo tratamento. Nos EUA, as companhias de seguros pagam o mesmo montante para qualquer cirurgia à endometriose, independentemente do método ou da extensão da doença. Já nos países pobres, o reconhecimento da doença nem sequer existe.

A plataforma global Endometriosis.org tem um vídeo explicativo sobre os sintomas e tratamento desta doença:

Investigadores da Universidade de Oxford, no Reino Unido, estão a analisar o genoma das mulheres com endometriose, fazendo uma comparação genética com aquelas que não a possuem para perceber melhor a patologia, que se verifica em cerca de 50% através de herança genética.

“Precisamos de um grande número de casos, maior do que o que temos”, afirmou a professora de epidemiologia reprodutiva, Krina Zondervan. A equipa de Zondervan e o ginecologista Christian Becker promoveram uma iniciativa global que permitisse que outros investigadores por todo o mundo recolhessem mais dados para as pesquisas, contudo, o financiamento é curto, o que dificulta a investigação da endometriose, uma doença silenciosa e que afeta milhões de mulheres em todo o mundo.

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