SP, RJ e Norte e Centro-oeste têm risco de grande epidemia de zika

15 de julho, 2016

(O Globo, 15/07/2016) Estudo diz que vírus perde força na América Latina. Mas especialista alerta: ‘Alívio é temporário’

A epidemia de zika já alcançou o período de pico e agora começa a perder força na América Latina, afirma uma análise publicada nesta sexta-feira na revista americana “Science”. O estudo reforça a tese de que o risco de contrair zika durante a Olimpíada do Rio é pequeno.

Uma outra pesquisa, do Centro de Controle de Doenças dos EUA (CDC, na sigla em inglês), acrescenta que, para a maioria dos visitantes, viajar para o Rio não traz risco extra porque o vírus está amplamente disseminado pelo mundo. Um boletim da Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgado nesta quinta-feira informa que o zika está presente em 65 países e territórios.

Segundo o CDC, somente viajantes de Djibouti, Iêmen, Chade e Eritreia correriam maior risco de contrair zika durante a Rio-2016 e levar a doença para seus países de origem. Isso porque os quatro países não registram grande fluxo de visitantes, mas têm o mosquito transmissor e uma população sem imunidade.

O virologista Pedro Fernando da Costa Vasconcelos, o único brasileiro no comitê de emergência sobre zika da OMS, observa que os estudos da “Science” não significam que o Brasil está livre da doença. Muito pelo contrário. O zika está amplamente disseminado e continua a ser um dos maiores problemas de saúde pública. Porém, devido à redução da temperatura no inverno, que inibe o mosquito, e ao fato de muita gente já ter sido infectada — e, portanto, em tese, estar menos vulnerável —, a atual epidemia perdeu força.

— O alívio é temporário. O número de casos deverá voltar a crescer no verão. Doenças transmitidas por mosquitos são muito influenciadas pela temperatura e pelas chuvas — explica Vasconcelos, que é considerado um dos maiores especialistas do mundo em arbovírus (aqueles transmitidos por artrópodes como os insetos) e dirige o Instituto Evandro Chagas, em Ananindeua, no Pará

Ele observa que as pesquisas da “Science” se referem principalmente ao Nordeste brasileiro, onde foram registrados cerca de 80% dos casos de infecção no país, além da maioria esmagadora dos casos de microcefalia e outros distúrbios neurológicos. O Nordeste tem 1.446 dos 1.687 casos com associação ao zika confirmados pelo Ministério da Saúde.

— Foi no Nordeste que a epidemia explodiu no Brasil. E lá as condições de pico da epidemia, como a existência de uma grande população nunca exposta antes ao vírus e, por isso, vulnerável, não devem se repetir com a mesma intensidade da observada em 2015 e 2016 — diz Vasconcelos.

RIO PODERÁ TER EPIDEMIA

Mas o cientista faz um alerta especial para o Rio:

— Estados onde o número de casos não foi expressivo, mas têm infestação pelo Aedes aegypti, como Rio de Janeiro e São Paulo e os das regiões Norte e Centro-Oeste, não estão livres de uma grande epidemia. Isso depende, claro, de outros fatores, como a temperatura e o volume de chuvas. Mas, se o Nordeste dificilmente verá uma epidemia tão avassaladora nos próximos anos, o mesmo não pode ser dito de outras regiões do país.

De acordo com o especialista, um dos casos mais complexos é o do Estado do Rio:

— Não se sabe muito bem como o zika se comporta no Rio. Esperavam-se muitos casos, mas quem causou surpresa foi o chicungunha.

Um dos estudos publicados na “Science”, liderado por Neil Ferguson, do Imperial College London, além de estimar que a epidemia na América Latina está em declínio, prevê que a região não deverá sofrer outra tão grave antes de aproximadamente dez anos.

— Essa previsão leva em conta o tamanho da população feminina em idade fértil e nunca exposta ao zika. Mas, se pensarmos somente em população sem imunidade, podemos dizer que esse prazo é de três a quatro anos para Nordeste, Colômbia e Venezuela, todos muito atingidos pela atual epidemia. Rio de Janeiro, São Paulo e o Norte do Brasil têm situação mais incerta — salienta.

O fato de o Nordeste ter sofrido a maior parte do impacto do zika ainda é um mistério.

— Uma possibilidade é genética. Pode ser que exista alguma variante genética que confira resistência ou vulnerabilidade a algumas populações. Mas é só uma hipótese que ainda precisa ser investigada — comenta o pesquisador.

Outra hipótese é que os anticorpos contra o dengue influenciem a resposta ao zika. Ela é discutida tanto pelo grupo de Ferguson quanto pelos autores da outra pesquisa, coordenada por Justin Lessler, da Universidade Johns Hopkins (EUA). Os sinais aí, porém, são contraditórios. Algumas pessoas poderiam se tornar mais vulneráveis a casos agressivos. Já outras ficariam protegidas.

Ponto pacífico é que o combate ao mosquito tem fracassado e é apenas paliativo. Lessler destaca que nenhum país teve sucesso em controlar o Aedes aegypti. E nem há sinais de que isso acontecerá.

— Enquanto o Brasil sofrer com a falta de saneamento, é impossível pensar na erradicação do mosquito. Eficiente mesmo é a vacina. É a única prevenção eficaz contra epidemias — diz Vasconcelos, cujo grupo é um dos 18 no mundo que trabalham no desenvolvimento de um imunizante.

NÚMERO DE NOTIFICAÇÕES DESPENCA

A 21 dias da Olimpíada, os casos suspeitos de zika caíram 93,4% no município do Rio em relação a janeiro deste ano, quando a cidade viveu um surto da doença. A circulação do vírus, que pode estar relacionado a casos de microcefalia, é um dos principais temores de atletas estrangeiros que virão para os Jogos. Houve ainda queda das notificações de dengue e chicungunha, cujos vírus também são transmitidos pelo Aedes aegypti.

Em janeiro, foram notificados 7.747 casos suspeitos de zika. Em junho, o total chegou a 510. Já o número de casos de dengue passou de 8.671 em abril para 671 no mês passado. No caso do chicungunha, as notificações caíram de 1.074 em março (período de pico) para 660 em junho.

Por Ana Lúcia Azevedo

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