Zika vírus: como reagimos depois da emergência?, por Eugênio Rodrigues

22 de setembro, 2017

Mesmo passados dois anos do surto de uma das maiores epidemias da história, o zika vírus, não aprendemos ainda como combater o mosquito transmissor da doença, o Aedes aegypti.

(Folha de S.Paulo, 22/09/2017 – acesse no site de origem)

Os fatores que levaram ao crescimento dos casos de pessoas infectadas ainda persistem. O governo investiu em ações emergenciais na área da saúde, mas ainda existem problemas de saneamento básico, de acesso aos serviços de saúde e de informação por parte das famílias e crianças afetadas pela síndrome congênita do zika.

O pouco investimento do governo na questão do saneamento básico e da provisão de água corrente tratada acarreta na permanência dos casos da doença.

Um maior investimento em estrutura, em uma base regular, seria essencial à redução paulatina e definitiva da exposição da população ao vetor.

Segundo o Instituto Terra Brasil, 83% dos brasileiros são atendidos com o abastecimento de água tratada. Cerca de 50% da população têm acesso à coleta de esgoto, ou seja, mais de 100 milhões de brasileiros não têm acesso a esse serviço.

Quando o tema é o tratamento do esgoto, os números são preocupantes, apenas 42,6% dos nossos esgotos são tratados. Isso é preocupante, pois expõe a população à possibilidade de novos casos da doença.

Outro assunto bastante preocupante é o acesso das crianças afetadas e suas famílias aos serviços especializados de saúde.

São longas filas de espera e a maioria dos centros de fisioterapia estão concentrados nas capitais ou grandes cidades, o que obriga as mães que moram no interior a gastarem horas no transporte público para conseguir o tratamento.

Mesmo nas capitais e grandes cidades, as mães enfrentam dificuldades de acessibilidade, pois tem que pegar várias conduções para chegar até o local do tratamento dos seus filhos.

A falta de acesso à informação e aos profissionais de saúde, também é um desafio. Mesmo depois de passados dois anos do surto da epidemia, faltam profissionais especializados em determinadas áreas médicas para a realização de consultas e exames considerados de extrema urgência.

O governo federal declarou o fim do estado de emergência nacional em maio, mas pouquíssimas ações de prevenção e combate a proliferação dos mosquitos estão acontecendo.

Desta forma, enquanto evoluem os estudos e se consolidam vacinas e meios de tratamento, tanto o governo quanto a sociedade devem continuar sua luta contra o vetor da doença.

A Visão Mundial Brasil, organização humanitária sem fins lucrativos, membro da rede internacional World Vision que, por sua vez, opera ações de resposta a emergências e programas de desenvolvimento social e econômico em mais de 98 países no mundo, atuou ativamente no combate à epidemia do zika vírus de fevereiro a setembro de 2016, em um projeto de resposta à emergência.

A resposta foi grande e intensa. Cerca de 180 mil pessoas foram alcançadas dentro de 321 comunidades atendidas com total de 23 mil crianças que participaram das ações.

Conseguimos programá-la imediatamente após o início do surto, o que permitiu o bom posicionamento da organização nas cidades de atuação.

O trabalho foi muito desafiador, pois mudanças culturais e comportamentais são difíceis. As pessoas, a princípio, não tinham consciência da gravidade desta doença, principalmente as mães.

As ações foram desenhadas de modo a fortalecer, ampliar e preencher lacunas das iniciativas encabeçadas pelo governo federal, que desenvolveu um plano nacional de enfrentamento às infecções causadas pelo Aedes aegypti.

Durante este período, foram realizadas ações para ajudar de maneira emergencial o combate ao mosquito e a assistência, principalmente, às crianças e às mulheres grávidas.

O projeto focou no combate ao vetor e no aumento da consciência da população sobre medidas de proteção individual, familiar e comunitária.

Porém, ao tomarmos contato com famílias que tiveram bebês afetados pela síndrome congênita do zika vírus, percebemos que há uma luta de igual proporção, ou ainda maior, que precisava ser travada.

As famílias e os sistemas de saúde não estavam preparados para enfrentar a nova situação. Os bebês precisam de cuidados específicos desde o diagnóstico das afetações como em seu tratamento, visando a atenuação dos efeitos em seu desenvolvimento e, consequentemente, em sua autonomia no futuro.

Sob esta ótica, a Visão Mundial Brasil firmou uma parceria com entidades que cuidam do desenvolvimento dos bebês, através de tecnologia e atendimento especializado, foram ofertados equipamentos para apoio no diagnóstico e no tratamento dos bebês.

A parceria com o Centro de Reabilitação e Valorização da Criança (CERVAC) foi de extrema importância para atingirmos diretamente crianças afetadas e suas respectivas famílias.

Com surgimento dos casos de microcefalia, começamos a pensar nas necessidades que estas crianças têm desde seu nascimento.

Após o final da declaração do estado de emergência do governo federal, não vemos mais propagandas educativas ou ações nas comunidades que abordam o tema da prevenção, que são de grande importância para a não proliferação do mosquito.

É preciso haver uma continuidade na luta contra as arboviroses e suas consequências. Se as crianças e suas famílias não forem acompanhadas, não iremos conseguir combater um risco maior no futuro.

Não tem como esperar uma nova ação emergencial apenas. É preciso fazer um acompanhamento atencioso, além de conscientizar mais as pessoas sobre a doença para que todos possam ter os direitos essenciais garantidos ao seu desenvolvimento e autonomia.

EUGÊNIO RODRIGUES, administrador com especialização em gestão de projetos, é assessor de emergências da ONG Visão Mundial

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