Mulheres que não querem ser mães ainda são julgadas por suas escolhas

16 de outubro, 2016

‘O mundo ainda critica muito a mulher que decide não ter filho’, diz psicóloga

(Emais/Estadão, 16/10/2016 – acesse no site de origem)

Maria Eugênia Ferezin, 23 anos, e Francine Altheman, 38 anos, são duas mulheres que têm a mesma certeza: elas não querem ser mães. Apesar de viverem momentos diferentes de duas vidas, nenhuma delas sente esse tal “instinto materno” e é muito difícil que mudem de ideia.

Mais de uma vez, elas já foram taxadas de egoístas e frias por pessoas próximas ao expressarem essa falta de vontade. A psicóloga Joana Singer explica que ainda há muito preconceito. “O mundo ainda critica muito a mulher que decide não ter filho”, opina.

Para a psicóloga, a falta de vontade de algumas mulheres em serem mães sempre existiu, a diferença é que hoje elas ocupam diferentes espaços na sociedade e se emanciparam dessa obrigação. “Elas se permitem respeitar essa falta de vontade, sem que elas se abalem ou se sintam menos mulheres por causa disso”, diz Joana.

Mesmo nova e solteira, a estudante Maria Eugênia já sabe que ser mãe não é um desejo para ela. Desde os 18 anos, quando saiu do interior de São Paulo para vir para a capital, ela percebeu que queria fazer outras coisas na vida. “Vivendo aqui, me dei conta de que poderia me deparar com muitas oportunidades. E não queria perder nenhuma delas!”, diz a estudante.

A professora Francine vive um momento diferente da vida. Com 38 anos e casada há quatro anos, ela e o marido já entraram em acordo: eles querem aproveitar a vida, curtir, viajar. Ter filhos não está nos planos e eles estão bem com isso.

“Quando eu era mais nova, eu pensava que teria filhos, que esse seria o rumo natural das coisas. Mas isso não era forte dentro de mim. Parecia natural que as coisas acontecessem dessa forma: namorar, casar, ter filhos. Conforme o tempo foi passando, essa ideia ficou distante, porque outras prioridades apareceram na minha vida”, diz a professora.

O ponto crucial, em que ela concluiu que realmente não queria ser mãe, foi quando um tio foi morar com a namorada e ela, com 30 anos, não parava de falar que seu tempo para ter um bebê estava acabando. “Ela me dizia sempre que eu deveria agilizar logo minha situação, arrumar um companheiro, para ter filho logo, porque o tempo estava passando para mim também”, relembra. Foi neste momento em que ocorreu a ela que ela não queria viver em função de seu relógio biológico.

“Lógico que ela era muito paranoica com a questão da idade. É possível ser mãe com mais idade. Mas aquilo acendeu algo em mim. Eu não queria ser daquele jeito. Eu não tinha tanto desejo assim pela maternidade. E eu relaxei completamente em relação a isso a partir daí”, afirma.

Joana Singer explica que, para algumas mulheres, não ter filhos é uma consequência da vida que levam. “Uma coisa que vejo que está acontecendo, e isso sim é uma tendência, é que as mulheres estão demorando mais para quererem ter filhos, porque elas querem estudar, viver várias experiências antes de entrar em uma relação mais duradoura. Aí, elas acabam conhecendo outros papéis e eles ficam na frente do ‘ser mãe.'”

Preconceito e pressão. Tanto Maria Eugênia quanto Francine sentem que já foram julgadas ao expressarem que não querem ser mães. A estudante relata que já foi taxa de fria algumas vezes.

“Sempre que expresso esse desejo, ou melhor, a falta de desejo de ser mãe, as pessoas ficam, no mínimo, surpresas. Fico parecendo fria, sem sentimentos e egoísta aos olhos delas. Isso tudo porque existe um conceito de que maternidade é algo instintivo na mulher e isso se torna um compromisso pra gente”, diz Maria Eugênia.

Com Francine o mesmo acontece: “É muito comum as pessoas acharem que você é egoísta, ou que não gosta de criança, ou mesmo que você é ‘má’ só porque não quer ter filhos. Essa impressão é um pouco velada, mas eu percebo que existe esse tipo de comentário ou reação quando falo que não quero ter filhos. E eu não sou nada disso. Eu curto criança, gosto de conversar com crianças, tenho uma sobrinha fofíssima que eu adoro, mas eu não tenho perfil para ser mãe. É simples assim.”

Ambas têm a sorte de não serem pressionadas por suas famílias. Francine se sente um pouco mal por ser filha única e não poder dar um neto à sua mãe. Mesmo assim, ela diz que sempre foi compreendida.

Já a mãe de Maria Eugênia não tem o sonho de ser avó, o que ditou a criação da estudante. “Tive uma criação um pouco diferente nesse sentido, porque sempre fui incentivada pelos meus pais a investir na minha carreira, garantir minha segurança financeira e a minha independência antes de qualquer coisa. Acho até que isso contribuiu muito para eu não ter esse desejo de ser mãe e sonhar com outro tipo de vida para mim”, opina.

Apesar de reconhecerem a pressão da sociedade como um todo, as duas se sentem tranquilas. A Joana explica que mulheres que sempre tiveram convicção de que não querem ser mães não se deixam afetar por essas “imposições”. “Aquelas [mulheres] que tem isso muito claro desde sempre ficam mais imunes a esse tipo de crítica”, a psicóloga ainda acrescenta que as mulheres que sofrem mais são as que oscilam entre a vontade de ter ou não filhos.

Relacionamentos.  Francine teve a sorte de encontrar um companheiro que não quer ser pai, mas esse é um assunto delicado para muitos casais.

De acordo com Joana, a discordância entre ter um bebê ou não é uma das maiores causas de estresse que desencadeia a separação. “O ‘querer ter filhos’ é tão forte e tão importante quanto aquela pessoa que não quer ter filhos, os dois são sentimentos que têm a ver com o resto da vida”, opina a psicóloga. “É uma expectativa que, se não estiver bem alinhada entre o casal, os dois podem se sentir muito enganados”, completa.

Maria Eugênia teme que essa cobrança surja em um relacionamento futuro. “Sinto que ainda delegam para a mulher o dever de construir uma família, mas não é isso que eu sonho para mim. A cabeça das mulheres mudou e as nossas ambições também, mas de pessoas mais velhas e dos homens, não”, fala a estudante.

Ser mulher. Por muito tempo, a sociedade colocava “mulher” e “mãe” como sinônimos. No caso de mulheres que não sonham com a maternidade, o que é ser mulher, então? Na opinião de Francine, “ser mulher é ter liberdade para fazer suas escolhas e viver feliz com elas”.

Já para a estudante, ser mulher é “ser uma pessoa competente, independente, uma profissional renomada… Não sinto que preciso provar meu valor como mulher e como ser humano na maternidade. A vida é tão mais que isso!”

Anita Efraim

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