Polêmica gerada por menção antiaborto inviabiliza objetivo original da PEC 181

24 de novembro, 2017

Mães de bebês prematuros estão temerosas com o impasse em torno de proposta que iria beneficiá-las

(O Globo, 24/11/2017 – acesse no site de origem)

O consenso até então existente em torno de um projeto que aumenta a licença-maternidade de 120 para até 240 dias no caso de parto prematuro ruiu antes mesmo de ser votado no plenário da Câmara. O motivo é a inclusão, na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 181, de trechos que abrem brecha para uma proibição absoluta do aborto no país — inclusive no caso de estupro. O objetivo da PEC ficou de lado desde que o relator da matéria, deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), colocou no projeto um “jabuti”, como são apelidadas emendas estranhas ao tema original de propostas que tramitam no Congresso. O texto, aprovado em comissão especial no último dia 8, adiciona na Constituição a proteção da vida “desde a concepção”, o que na prática pode resultar num veto total ao aborto. Enquanto grupos a favor e contra trocam acusações, cresce a angústia entre as principais beneficiárias da redação inicial: mães de crianças que nascem antes da hora certa.

No Brasil, um em cada dez nascidos é prematuro, segundo o Ministério da Saúde. A taxa saltou de 6,5% em 2007 para 10,8% em 2015, base mais atualizada dos dados oficiais. Nesse último ano, dos 3 milhões de nascidos, 326,8 mil foram prematuros: 72% mais do que os 190,1 mil registros em 2007. O Ministério da Saúde informa que são muitas as causas para essa escalada, como algumas infecções e malformações congênitas, além de problemas simples envolvendo a saúde das gestantes, como uma infecção odontológica ou urinária e aumento da pressão arterial. A pasta afirma que oferta o pré-natal no SUS para evitar ocorrências que levem à prematuridade e assinala que, muitas vezes, a antecipação do parto é uma recomendação médica graças a um bom acompanhamento da gestação.

Os números revelam a magnitude do problema no país, mas não são capazes de mensurar o drama das mães que deixam a maternidade e voltam para casa sem os filhos, porque os deixam internados, experimentando os primeiros dias (e até meses) de vida em UTIs neonatais.

Enquanto velam pela recuperação do bebê, elas se desesperam com a licença-maternidade se aproximando do fim. Adenislane Dávila Loiola, mineira de 31 anos formada em Administração, trabalhava numa empresa que concede seis meses para as mães, no lugar dos quatro previstos em lei. Mas foi pouco diante da fragilidade da filha Geovanna, que ficou cerca de cinco meses na UTI. Sem parentes em Brasília, Adenislane não teve opção. Deixou o emprego. A criança teve alta, mas não resistiu a uma parada respiratória.

— Ou continuava crescendo na empresa, que era uma multinacional, onde eu tinha oportunidade, ou cuidava da minha filha. Não tem muito o que escolher nesses casos — diz ela, que só retornou ao mercado cerca de um ano depois da perda da filha.

Adenislaine faz parte da Associação Brasileira de Pais de Bebês Prematuros, que há anos milita em favor da PEC 58/2011, que aumenta a licença-maternidade, e foi apensada à PEC 181/2015, aprovada pelo Senado e remetida à Câmara com o mesmo teor. Como essa última já passou pelo crivo dos senadores, bastava a comissão especial aprová-la, para que ela fosse submetida ao plenário da Câmara. Chancelada, já vira lei. Havia consenso para que fosse aprovada.

Mas, com a inclusão das emendas que falam em garantia da vida “desde a concepção”, apontada como manobra da bancada religiosa para barrar qualquer mudança em relação ao aborto no país e até mesmo vedar os casos permitidos hoje (gravidez decorrente de estupro, anencefalia do feto e risco de morte da mãe), o projeto passou a enfrentar grande resistência na Casa. Adenislaine conta que já fez, na companhia de outras integrantes da associação, corpo a corpo com os deputados, inclusive com o relator, Mudalen, e o presidente da comissão, deputado Evandro Gussi (PV-SP), sem sucesso.

— Eles dizem que os assuntos estão associados, mas não estão. Se não tivessem colocado outro tema, a PEC já teria sido aprovada. Isso atrapalhou muito a gente — lamenta Adenislaine.

Com Eva no colo, que nasceu prematura e ficou 83 dias na UTI — onde teve sete paradas respitatórias, dez transfusões, uma hemorragia, convulsão e várias infecções —, Sullen Martins é outra militante que acompanha há três anos, desde o nascimento da filha, a tramitação da PEC 58/2011. Para ela, a inclusão dos temas que atravancam o andamento é um ato de injustiça, que desvirtuou completamente um projeto sobre aumento da licença-maternidade que pode beneficiar muitas famílias:

— É injusto com as mães. Se você for a qualquer UTI agora, vai ver mães desesperadas. Depois do bebê, que é a preocupação maior, em segundo lugar está a licença, que vai se acabando, se acabando, e a mulher não sabe o que fazer, porque é o sustento da família que está em jogo também.

Fisioterapeuta, Suellen conta que conseguiu uma extensão da licença por meio de atestados de acompanhamento, pois Eva dependia de diversos atendimentos especializados, mesmo após a alta hospitalar. Depois tirou férias, para estender ainda mais o tempo em casa. A dedicação integral, observa, foi fundamental para que a menina se desenvolvesse bem e se tornasse uma criança sem qualquer sequela, apesar de toda a fragilidade no início da vida.

PREJUÍZO PARA MÃES E FILHOS

Denise Suguitani, que também milita pela causa da licença-maternidade estendida, ressalta os prejuízos não só para a carreira profissional de mulheres nessa situação, mas no vínculo importante entre mãe e filho nos primeiros meses de vida. As consequências para a criança, segundo ela, são duradouras e vão muito além da saúde física, incluindo o bem-estar psicológico:

— Uma criança bem cuidada se torna um adulto mais equilibrado e seguro. Sem contar que os bebês reinternam menos quando têm mais cuidados.

O deputado Evandro Gussi (PV-SP), presidente da comissão, disse que as emendas sobre concepção incluídas no texto não estão atravancando a tramitação da PEC, mas sim os grupos que “querem a liberação do aborto no Brasil”. Ele se refere aos partidos de oposição, como PT, PCdoB e PSOL, que vêm se insurgindo contra o novo texto da proposta.

— Quem atrapalha é quem faz obstrução porque quer o aborto no Brasil, pois considera o aborto mais importante que o prematuro. A PEC torna mais efetiva a defesa do prematuro, mostrando o valor da vida intrauterina — argumentou o deputado.

Gussi confirmou ter recebido o grupo de mães de prematuros e disse ter explicado a elas a importância das emendas. O relator da PEC no colegiado, Jorge Tadeu Mudalen, não retornou o contato do GLOBO. Ambos são da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional.

Nossas Pesquisas de Opinião

Nossas Pesquisas de opinião

Ver todas
Veja mais pesquisas