Proibição da pílula do dia seguinte dificulta ainda mais situação das vitimas de violência

24 de novembro, 2015

(Adital, 24/11/2015) O Projeto de Lei (PL) 5069/2013, que tipifica como crime contra a vida o anúncio de meio abortivo e prevê penas específicas para quem induz a gestante à prática de aborto, foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça [CCJ], da Câmara de Deputados. O projeto também modifica a lei de atendimentos às vitimas de violência sexual.

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Projeto de Lei tipifica como crime contra a vida o anúncio de meio abortivo e prevê penas específicas para quem induz a gestante à prática de aborto. (Foto: Reprodução)

As principais mudanças propostas pelo PL 5069, de autoria do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha [Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB – Rio de Janeiro] – envolvido em sérias denúncias de corrupção e desvio de dinheiro público para contas na Suíça –, são: a criminalização de propaganda, fornecimento, a indução ao aborto e a métodos abortivos. Além disso, o Projeto estabelece que a mulher vítima de estupro procure uma delegacia e passe por exames, antes de ser atendida pelo sistema público de saúde.

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Principais mudanças propostas pelo PL de autoria de Eduardo Cunha são a criminalização de propaganda, fornecimento, indução ao aborto e a métodos abortivos. (Foto: Reprodução)

O projeto prevê o aumento de pena para profissionais da saúde que tratarem ou mesmo informarem essas pessoas de como proceder em caso de desejo de abortar após estupro – o que pode incluir perigosamente a distribuição das chamadas pílulas do dia seguinte. Na legislação atual, se uma mulher relata ter sido vítima de estupro, recebe gratuitamente a pílula do dia seguinte, como medida preventiva para evitar a fecundação. É a chamada profilaxia da gravidez, termo que o projeto também tenta eliminar da legislação por, em teoria, criar uma ligação entre gestação e doença.

Patrícia da Silva, diretora do Conselho Regional de Serviço Social de São Paulo [Cress-SP], afirma em entrevista à Adital que a aprovação do PL 5069/13 é um retrocesso, calcado no fundamentalismo religioso, que impõe o machismo, o preconceito, a discriminação, tutelando o corpo da mulher e tratando a vítima como a primeira pessoa a ser alvo de dúvidas e de investigação. “Um total desrespeito aos direitos conquistados arduamente pela luta feminista e das mulheres”.

Segundo Rosângela Talib da equipe de coordenação das Católicas pelo Direito de Decidir, o projeto é um suicídio político, pois tenta mudar a legislação atual do país em relação às vitimas de violência sexual. Ela também ressalta que a proposta dificultará o atendimento às vitimas, exigindo que elas procurem uma delegacia antes, ao invés de serem atendidas primeiro pelo sistema de saúde.

Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 47.646 estupros foram registrados no país, em 2014, totalizando cinco a cada uma hora. Estimam-se, entretanto, que apenas 10% dos casos sejam notificados.

De acordo com Patrícia, do Cress-SP, o PL afetas mulheres vitimas de violência sexual em dois aspectos. O primeiro é o do lugar em que se coloca a vítima, que é o de investigada, a pessoa sobre a qual, em primeiro plano, se coloca a dúvida, e, por isso, é obrigada ao exame no IML [Instituto Médico Legal]. Segundo, reforça o que o machismo impõe às mulheres há tempos na sociedade, que é a subalternidade, em que seus corpos e direitos são submetidos ao crivo machista, que escolhe o quê, como e para quê serão ofertados determinados serviços.

“A mulher vítima de violência sexual enfrenta diversos obstáculos para chegar ao atendimento de saúde e para fazer a denúncia. Com base em dados estatísticos e científicos, as mulheres lutaram pelo atendimento imediato nos hospitais, com direito a administração de medicamentos que evitassem não só uma gravidez, mas que prevenissem doenças sexualmente transmissíveis. Tal medida possibilita às mulheres o acesso ao atendimento necessário, com menor constrangimento e mais agilidade, garantindo maior proteção à sua saúde. O PL desrespeita o direito à saúde da mulher, impõe constrangimento e cria um obstáculo no acesso às políticas públicas e à proteção social das mulheres” explica a diretora do Cress-SP.

Rosângela Talib acredita que interesses religiosos foram o principal motivo para a aprovação do Projeto na Câmara dos Deputados. “Vivemos em um estado laico, esses projetos com cunho religioso são um grande absurdo, o Estado deve atender a todos, independente da religião” comenta.

Patrícia explica o motivo pelo qual o projeto é visto como uma expressão da sociedade machista e conservadora, “O machismo é o responsável pela subalternização das mulheres na sociedade, é ele quem esteve e está presente nas teses que tentam diferenciar homem e mulher a partir do biológico, comportamentos, emoções, entre outros, criando estereótipos que distinguem os gêneros entre o bom e o ruim, o forte e o fraco, o dominador e o dominado. Dizer que a mulher não tem direito ao seu corpo, retirando dela a autonomia e a liberdade, escolhendo por ela, obrigando-a a provar que não está ‘mentindo’ para ter ou não acesso ao direito de tratamento preventivo de sua saúde e futuro, é uma prática de dominação machista e fundamentalista” comenta.

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Projeto proíbe pílula do dia seguinte e dificulta atendimento às vitimas de violência sexual. (Foto: Reprodução)

Algumas medidas que estão sendo tomadas para tentar barrar o PL de Cunha incluem manifestos para pressionar os deputados (as) e atos nas ruas, por movimentos sociais feministas, movimentos de esquerda, e instituições, como o Conjunto CFESS/Cress. “A ordem é resistir, pressionar, lutar pela garantia do direito conquistado, não aceitaremos nenhum direito a menos. Em direito conquistado não se mexe, nenhum direito a menos” finaliza Patrícia da Silva

Depois de aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça [CCJ] da Câmara de Deputados, o projeto, agora, está pronto para, a qualquer momento, ser votado pelo Plenário.

Gean Rocha

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