“E os namoradinhos?” é só o começo, por Lino Bocchini

05 de agosto, 2015

(Carta Capital, 05/08/2015) Depois vem “E o casamento, é pra quando?”; “E o filho?”; “E o irmãozinho/irmãzinha?” e, pasmem: “Você não vai tentar o terceiro pra vir menino/menina?”

“E os namoradinhos?”. A clássica pergunta invasiva feita por aquela tia ou tio distante no Natal é só a primeira de muitas.

Se a moça for lésbica, a invasão e a inadequação da pergunta é obviamente maior. Mas vamos falar de uma mulher heterossexual, ou seja, dentro dos padrões da tradicional família brasileira.

Começa no “E os namoradinhos?”.

Depois vem o “Vocês vão casar quando?”.

Tudo sem a menor cerimônia, desconsiderando que o assunto diz respeito apenas aos envolvidos.

E segue, depois de casados ou antes mesmo, quando a união já está sólida:

“E o filho, é pra quando?”.

Após casar, a cobrança, iniciada antes do enlace, sobe de tom mês a mês. Se começar a demorar demais, tem algo errado, deve “ser estéril” ou algo assim. Afinal, casou para quê?

Uma vez grávida, vem uma tremenda ansiedade sobre quando o bebê irá nascer. Se a mulher for esperar o parto normal, será julgada uma irresponsável a partir da 38ª semana de gestação. Como assim não marcou a cesárea com antecedência para um sábado cedo, logo após o salão, para mesma tia chata do Natal poder visitar o sobrinho depois da sobremesa, levando uma flor que ficará no chão do lado de fora do quarto?

Dica: levar flores a uma visita na maternidade só é bom para o dono da floricultura. Flores são vetadas no mesmo ambiente do recém-nascido, e os vasinhos nunca passam da porta.

Bom, eu sou homem, casado. Tivemos o primeiro filho, eu e minha mulher, há 4 anos. A cada mês de vida do nosso filho, as cobranças aumentavam de intensidade, não raro em tom de inconformidade: “mas vocês não vão dar um irmãozinho para ele??”.

Na verdade a cobrança do irmãozinho começa quando ainda se espera o primeiro filho.

Hoje minha mulher está novamente grávida. Sim, decidimos finalmente ter um filho ou, nas palavras da tiazona e da vizinha enxerida, “dar um irmãozinho pra ele”. Mas, veja só, ainda não somos a família margarina perfeita, porque o segundo filho também será um menino.

E então, antes mesmo de parir o segundo filho, ela já está sendo cobrada pelo terceiro:

“Mas vocês vão tentar uma menina depois, né?”.

Ou, pior, falam com uma expressão sincera de piedade: “Puxa, pena que não é menina para formal um casalzinho… Mas tudo bem, depois você tenta um menino/menina “.

Veja bem: nosso segundo filho ainda está na barriga e ela já é cobrada, com a maior naturalidade do mundo, sobre o terceiro. Afinal, o roteiro exige um “casalzinho”. Só fiquei confuso como seria no nosso caso que já temos dois meninos se por ventura tivermos uma menina futuramente. Por esta lógica torta em que dois irmãos são “um casalzinho”, teríamos um “ménagezinho”?

Interessante que não passa pela cabeça das pessoas deixar cada uma decidir o que fazer da vida, do jeito e no tempo delas. Ou, ao menos, deixar que elas introduzam assuntos pessoais na roda antes de cobrar na frente de todo mundo: “e aí, vai casar? Não vai ter filho?”. E se o casal não quiser? E se eles não puderem?…

Se você é mulher e ainda está no estágio de ouvir “E os namoradinhos?”, fique tranquila. Minha mulher tem 43 anos e dois filhos e ainda não está quite com a sociedade.

Se você for homem, fique tranquilo e aproveite a vida. Nunca me cobraram nada nem vão te cobrar.

Acesse no site de origem: “E os namoradinhos?” é só o começo, por Lino Bocchini (Carta Capital, 05/08/2015)

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