Mudança em equipes multidisciplinares no SUS opõe governo e especialistas

18 de fevereiro, 2020

Ministério da Saúde diz que medida traz autonomia aos gestores; pesquisadores veem risco de fim

(Coluna Cláudia Collucci/Folha.com, 18/02/2020 – acesse no site de origem)

novo coronavírus ainda domina os noticiários de saúde, mas existe um outro tema bem polêmico no âmbito do SUS: um possível fim das equipes multidisciplinares que atuam na atenção primária à saúde.

Criado em 2008, o modelo Nasf (Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica) é composto por vários profissionais, como assistentes sociais, nutricionistas, fisioterapeutas, psicólogos e educadores físicos, que atuam em conjunto com médicos e enfermeiros dentro das equipes de saúde da famílias ou das UBS (Unidades Básicas de Saúde).

Os fisioterapeutas, por exemplo, orientam pacientes e familiares no dia a dia dos cuidados de pessoas que tiveram sequelas de AVC ou traumas, fazendo, inclusive, atendimento domiciliar. Os nutricionistas orientam diabéticos e hipertensos no controle da doença por meio de uma dieta adequada. E assim por diante.

Ocorre que com o novo modelo de financiamento da atenção primária, aprovado no ano passado, o Ministério da Saúde revogou várias normas, entre elas as que definiam os parâmetros e custeio desses núcleos de apoio.

No final de janeiro, uma nota do ministério informou que as equipes multidisciplinares deixariam de seguir o modelo e o gestor municipal passará a ter autonomia para compô-las, ou seja, poderá definir quais profissionais vai contratar, a carga horária e outros arranjos, de acordo com as necessidades em saúde da população atendida.

Segundo o ministério, o novo modelo de financiamento levará em conta tanto a população cadastrada nas UBSs quanto o resultado dos indicadores de qualidade relacionados à atuação das equipes. Pela primeira vez, haverá pagamento por desempenho.

O ministério garante que na transição para o novo modelo não haverá prejuízo nos valores transferidos para os municípios. Diz ainda que as projeções de repasses para este ano já consideraram os valores referentes aos Nasf.

No entanto, médicos de família e pesquisadores dizem que, sem incentivos federais para que os municípios componham equipes multiprofissionais, o modelo poderá ser esvaziado ou mesmo extinto.

Segundo Lígia Giovanella, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz), historicamente, o incentivo financeiro federal foi essencial para a implementação da política de saúde direcionada a um modelo assistencial de atenção integral.

“A Estratégia Saúde da Família teve uma expansão enorme no Brasil por conta, principalmente, dos incentivos financeiros do Ministério da Saúde que impulsionaram o estabelecimento de equipes. Com o tempo, isso foi incorporado aos Nafs. Agora, sem incentivo específico, o risco maior que temos é o da demissão desses profissionais e também a redução na composição das equipes”, disse ela a um dos portais de notícias da Fiocruz.

O mesmo pensa o médico de família Aristóteles Cardona Júnior, que atua na Rede Nacional de Médicos e Médicas Populares.

“Por mais bem-intencionadas que as gestões municipais sejam, por mais que digam que não haverá cancelamento, não vai demorar para que extingam os núcleos multiprofissionais. Os gestores não terão mais amarras, nenhuma obrigação de destinar verba para esta política, o dinheiro será sugado para áreas que aparentemente possam representar demanda social maior e os municípios vão abrir mão desses profissionais diante da pressão.”

Ainda que o ministério garanta que não haverá extinção das equipes multidisciplinares na atenção primária, as preocupações de Giovanella e Cardona são justificáveis. A área da saúde acumula perdas desde a Emenda Constitucional 95, que congelou até 2036 os gastos federais. E muitas prefeituras estão quebradas, investindo muito além da obrigação constitucional em saúde.

Por outro lado, diversos estudos apontam que o SUS tem espaço para se tornar mais eficiente e resolutivo. A mudança do modelo de financiamento da atenção primária pode ser um dos caminhos? Ainda não dá para saber. Só o tempo, estudos rigorosos de acompanhamento da nova política e, sobretudo, controle social, poderão dizer.

Cláudia Collucci

Jornalista especializada em saúde, autora de “Quero ser mãe” e “Por que a gravidez não vem?”.

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