A governança global da internet e o papel do Brasil

09 de abril, 2014

(O Estado de S. Paulo, 09/04/2014) Nas últimas décadas a internet alterou profundamente os padrões de vida, de trabalho, de educação, de participação política e, sobretudo, o modo como interagimos. A internet mostrou ser um grande motor de mudanças, muitas vezes disruptivas. Com mais de 3 bilhões de usuários no mundo, e com a perspectiva de ter de lidar com vários bilhões adicionais de usuários e dispositivos nos próximos anos, a internet é considerada hoje uma tecnologia de uso geral, um elemento básico e essencial na vida de quase todos os cidadãos e um componente-chave na economia e nos governos dos países. Segundo um estudo recente da empresa de consultoria Boston Consulting Group, a contribuição da internet para o PIB dos países desenvolvidos varia entre 5% e 9%.

Mas o outro lado da moeda apresenta seus desafios, que incluem ameaças de crimes cibernéticos, ataques à liberdade de expressão e aos direitos humanos, invasão de privacidade, espionagem, disputas jurídicas transnacionais, conflitos cibernéticos entre países e concentração de mercado e riquezas em algumas poucas empresas e países. Muitas dessas questões estão relacionadas à governança global da internet – expressão usada para descrever os arranjos que organizam as funções e os recursos da rede mundial, de modo a garantir seu correto funcionamento em qualquer parte do mundo. Por causa de sua natureza descentralizada e multissetorial, envolvendo governos, empresas, sociedade civil, comunidades acadêmica e tecnológica, a internet não pode ser regulada somente em nível nacional. Revelações recentes de vigilância, monitoramento e espionagem em larga escala reduziram a confiança no atual sistema de governança. Assim, é necessário propor mudanças ao modelo existente, excessivamente centrado nos Estados Unidos.

Dentro dessa perspectiva, em discurso proferido na Assembleia das Nações Unidas em setembro de 2013, a presidenta Dilma Rousseff propôs a discussão de novas regras para a governança e o funcionamento da internet. Várias ações internacionais subsequentes apontam na mesma direção.

Em comunicado divulgado em 12 de fevereiro, a União Europeia reforçou o pedido para que o modelo atual seja modificado, tornando a Web mais aberta, global e multissetorial. Por sua vez, o governo dos Estados Unidos anunciou, no último dia 14, que vai abrir mão do papel de supervisão do sistema de domínios, que formam a estrutura básica da internet, passando-o para um grupo internacional cujas estrutura e administração serão definidas pela comunidade global ao longo do próximo ano.

Nesse cenário, os próximos dois anos serão cruciais para redesenhar o mapa global de governança da internet. Por várias razões, o Brasil situa-se em posição central para contribuir e influenciar na formulação dos princípios e mecanismos que vão orientar a internet do futuro. O Comitê Gestor da Internet (CGI.br) brasileiro funciona há quase 20 anos, seguindo um modelo de governança multissetorial, aberto e transparente, com a participação efetiva de sociedade civil, empresas, academia e governo. Esse arranjo tem sido reconhecido internacionalmente como avançado e apropriado para a internet global.

Com a aprovação do Marco Civil no Congresso Nacional, o Brasil chama a atenção da comunidade internacional para o avanço de suas propostas e pela maneira colaborativa de sua construção do projeto do Marco Civil. Além disso, o Brasil é uma das nações com maior número de usuários da internet – mais de 100 milhões – e em especial nas redes sociais. A condição de país em desenvolvimento impõe ao Brasil uma sensibilidade especial para entender temas particularmente caros às nações de mesmo perfil socioeconômico, como acesso, inclusão e desenvolvimento social no contexto das tecnologias digitais.

Em prosseguimento à proposta da presidenta Dilma Rousseff, está em preparação a NETmundial, conferência multissetorial organizada para discutir princípios e propostas para o futuro da governança da internet. A reunião ocorrerá nos dias 23 e 24 deste mês, em São Paulo, e será transmitida ao vivo para o mundo inteiro, permitindo também diversas formas de participação remota. Esperam-se mais de 800 participantes, representando todos os setores envolvidos.

O encontro é organizado pela parceria entre o CGI e a /1Net – uma plataforma global para todos os interessados em contribuir para o aperfeiçoamento da governança da internet. O processo de preparação é multissetorial e envolve múltiplos setores da sociedade. Essa é a essência do modelo multissetorial. É o que podemos chamar de construção coletiva, em que todos os setores contribuem. Isso faz parte da essência da internet, que é um fenômeno único, global e extremamente inovativo que marca a sociedade contemporânea.

A organização da NETmundial recebeu 188 propostas para os temas centrais da conferência, vindas de 46 países. As temáticas mais presentes nas propostas para o futuro da internet estão relacionadas a segurança na rede, proteção à privacidade, garantia da liberdade de expressão, papel dos governos na governança da internet, garantia de acesso universal e neutralidade de rede. Além das contribuições vindas do mundo inteiro, quase 900 pessoas de 79 países diferentes, representando empresas, organizações não governamentais, universidades e governos, solicitaram inscrição para participar da NETmundial.

A NETmundial busca obter resultados concretos para o futuro da governança da internet. Os dois dias em São Paulo são o início de um processo de revisão da governança global da internet, que é vital para o fortalecimento do ciberespaço e para o desenvolvimento social e econômico de todas as nações.

*Virgilio A. F. Almeida é secretário de política de informática do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e coordenador do comitê gestor da internet no Brasil.

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