‘Feministas merecem tortura’, ouve candidata à Câmara Municipal em SP

02 de outubro, 2016

Blazer, calça social, cabelo preso, sapatilha confortável e panfleto na mão. Marina Helou (Rede), 29, uma das 389 candidatas a vereadora de São Paulo, quer falar sobre suas propostas e sobre representatividade. Na última semana da campanha eleitoral, ela aborda um homem de meia-idade no largo da Batata. Ele olha bem no fundo dos olhos dela e diz: “Você me dá um beijo se eu votar em você?”.

(Folha de S.Paulo, 02/10/2016 – acesse no site de origem)

Cantadas e comentários machistas não são surpresa na rotina de campanha de Marina e de outras candidatas que tentam espaço na Câmara Municipal –hoje dominada por homens: cinco dos 55 vereados de SP são mulheres.

Paulistana, de família de classe média, Marina concorre à Câmara pela primeira vez e encontrou resistência até da avó. “Ela me disse: ‘Minha filha, por que você vai entrar na política em vez de ter um filho?'”, conta, rindo, à repórter Letícia Mori.

“Já me perguntaram o que meu marido acha de eu me candidatar, o que uma menina tão novinha vai fazer lá. Dizem que política não é lugar pra mim”, diz ela, formada em administração pela FGV e ex-coordenadora na área de sustentabilidade da Natura. “O que mais me irrita é quando me chamam de ‘fofa’. Me preparei, me especializei em políticas públicas, mas as pessoas acham que, porque sou jovem e mulher, não tenho legitimidade.”

Estudante de direito na USP, Maíra Pinheiro (PT), 26, diz que enfrenta ainda mais agressividade. “Tem gente que xinga mesmo, que não gosta de feminista. Fala palavrão, chama de puta, mal-amada. Sem contar os que dizem que eu sou egoísta por entrar na política tendo uma filha pequena. Que eu sou uma péssima mãe, que eu estou negligenciando ela”, diz, enquanto distrai Bethânia, 2, com um brinquedinho.

Em uma panfletagem na praça Roosevelt, vários homens cumprimentam Maíra com liberdade excessiva: pegam na cintura, passam a mão no ombro. Olham para o busto dela. Um desce a mão por suas costas. Ela se esquiva. “É muito desagradável. Aí você fica brava com o desrespeito e dizem que ‘é só um elogio’. Eu até deixo beijar, abraçar, voto é voto, né? Mas se passar dos limites eu corto”, diz ela. “Quando estou com a minha filha isso não acontece, porque quando você é mãe vira a Virgem Maria.”

Nem todos os comentários desagradáveis são feitos cara a cara. “Eu não tenho passado muita dificuldade, me recebem com muito respeito”, diz a advogada Adriana Ramalho (PSDB), 35, antes de ir conversar com comerciantes no Mercado do Ipiranga. Cercada de assessores, um fotógrafo, um cinegrafista e cabos eleitorais, ela só ouve elogios pela simpatia. “Ganhei o dia!”, responde sempre, em tom de apresentadora de programa de auditório.

Ela abraça todo mundo e não nota os dois carregadores que se viram para olhá-la de costas. Também não ouve quando alguns clientes fazem comentários maldosos assim que ela sai de um dos boxes. “Quero ver se quando entrar [na Câmara] ela volta. Falar ela fala, né? Essas mulher [sic] fala demais”, diz um senhor.

“Fiz campanha em canteiro de obra e nunca levei cantada. Talvez seja meu jeito expansivo, não sobra espaço para fazerem isso”, diz Adriana. Ela segue os passos do pai, o deputado estadual Ramalho da Construção (PSDB), que tem reduto entre trabalhadores da construção civil.

A engenheira Rosana Santarosa, 37 (do Partido Novo, que se define como direita liberal), hesita em dizer que sofre machismo. “Não sou feminista, não acredito em cotas. Mas quero igualdade para a mulher.” Diz que sente “apenas uma resistência na primeira abordagem”. “Trabalhei durante anos só com homens. Você tem que aprender a se colocar para conseguir espaço. Eu senti mais quando tive filho, aí mudou bastante, tive dificuldades”, afirma.

Adriana diz que ouve muitas perguntas sobre a opinião do marido, mas não acha que isso é machismo. “Digo que ele tem sido o meu maior parceiro”, afirma. Em um dos boxes do mercado, um senhor explica para a filha de Ramalho como ela pode conseguir votos. “Você tem um papai lá que sabe como funciona. Fica nesse papo que eu tô falando e será eleita. Tchau, linda, dá um abraço no seu pai!”

Isa Penna (PSOL), 25, também ouve questionamentos sobre marido, pai ou namorado frequentemente. “Me incomoda porque é basicamente: quem é o seu dono e o que ele acha disso?”, diz ela, enquanto mostra no celular uma mensagem de um eleitor: “E o seu pai, deixou numa boa?”.

Advogada formada pela PUC-SP, ela é especialista em casos de assédio contra a mulher. A pergunta que mais ouve, no entanto, não tem a ver com sua formação, partido ou propostas. “Quantos anos você tem?”, diz um senhor de uniforme ao descobrir que a “loirinha” de 1,58 m e grandes olhos azuis que panfleta no bairro da Liberdade é candidata a vereadora.

Em um corpo a corpo na Barra Funda, uma senhora se aproxima de Isa. No meio da conversa, solta: “Mas quando você quiser casar e ter filhos vai ter que abandonar a política”. A candidata respira fundo e continua o papo. Depois, brinca: “Se eu falasse que casamento não é minha praia ela ia entrar em choque”.

Há os que tentam protegê-las do mundo da política. “Estava discutindo repressão e um cara me disse: ‘Você acha que eles vão ter dó de você só porque é mulher?'”, conta Isa. Marina Helou diz que perguntam sempre como ela vai conseguir enfrentar “esse monte de homem”. E falam que ela não terá a menor chance no meio de “um monte de velhos políticos”.

“Esse machismo estrutural, que a pessoa nem percebe, é ruim, mas não é o pior. Duro é discurso de ódio, misoginia pura. Já teve homem falando sobre meu corpo, fazendo barulhos obscenos antes de debate para intimidar e desestabilizar”, diz Isa. Bissexual, ela recebeu muitos ataques ao sair em uma lista de candidatos LGBT. Mostra um comentário no Facebook: “Essa aí deu a xoxota pros caras, gostou, resolveu dar pras mulheres também e aí virou candidata”.

A funcionária pública Sâmia Bomfim (PSOL), 26, já ouviu que merecia ser estuprada e torturada. “Disseram que o coronel [Carlos Brilhante] Ustra [agente da ditadura militar] torturou quem mereceu, como as feministas”, diz ela. Diante da história, Isa perde o sorriso. “Dá uma desanimada na gente, viu, amiga? Precisa ser forte pra aguentar tudo isso.”

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