A pré-candidatura de Sônia Guajajara à vice-presidência, por Debora Diniz

19 de abril, 2018

Em sua nova coluna, Débora Diniz fala sobre a presença de uma indígena na corrida ao planalto

(Marie Claire, 19/04/2018 – acesse no site de origem)

Hoje é Dia do Índio e Sônia Guajajara é candidata à vice-presidência da república. Aprendi na escola do tempo da ditadura militar que dia de índio era para lembrar que havia gente nesta terra antes da invasão portuguesa. O dia era mais para se fantasiar de índio que para reconhecer o passado de opressão. Sai da escola certa de que índios eram pajés ou caciques, que faziam esteiras e gostavam de espelhos. Depois quando me fiz antropóloga, aprendi de outro jeito – índio não é um singular, mas são nações com línguas, culturas, histórias e territórios. Senti vergonha pelo conforto de meu descaso.

Mas foram precisos muitos anos para conhecer uma índia que se apresenta como candidata à liderança de todos nós, índios e outros. Não é pouca coisa deixar de ser um índio anônimo para se transformar na líder indígena da política nacional. Em particular num tempo em que um dos candidatos concorrentes à Sônia Guajajara diz “que não vai ter um centímetro demarcado para terra indígena ou quilombola”. Há um descaso odioso aos povos indígenas, pois não é pouca a certeza de impunidade que permite alguém pronunciar tamanha injustiça. Não é favor o que devemos às nações indígenas e menos ainda uma compaixão pela diversidade que transforma comunidades indígenas em espetáculo para os brancos – é simplesmente justiça por quem tem anterioridade pela terra.

É bom prestarmos atenção à Sônia Guajajara. Nossa história política recente ensinou que os vices existem, e aqui não é ameaça ao candidato à presidência Guilherme Boulos. É só mesmo um pedido de escuta – essa mulher fala de água e terra, não humanos e outros povos, tem uma firmeza que não é a dos homens brancos. Isso, sim, é dia de índígena.

Débora Diniz é antropóloga, professora da UNB e pesquisadora da Anis: Instituto de Bioética. Em 2017, ganhou o prêmio Jabuti pelo livro “Zika: Do Sertão Nordestino à Ameaça Global”. Como documentarista, seus filmes já ganharam mais de 50 prêmios. Sua  área de interesse são os direitos das mulheres.

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