A reeleição de Dilma não acabou com o machismo no Brasil, por Jarid Arraes

28 de outubro, 2014

(Fórum, 28/10/2014) Agora que a presidenta Dilma Rousseff (PT) foi reeleita, graças aos esforços da militância e dos movimentos sociais – entre eles os feministas, parece que tem gente cantando vitória contra o machismo. Lamento furar a bolha, mas uma das maiores lições desta última eleição é justamente o resultado machista da pouca atenção que a política dá às questões de gênero.

A campanha contra Dilma não contou somente com argumentos de quem concorda com a visão de mundo do PSDB ou com os gritos de quem relaciona somente o PT à corrupção, a oposição veio fortemente armada de milhares de paradigmas misóginos, montagens e palavras pornográficas e posturas que evidenciaram o nível alarmante de misoginia no Brasil. E não poderia ser diferente, já que a participação feminina na política sempre deflagra o machismo que muitas pessoas tentam disfarçar.

Apesar de Dilma ter contado com forte mobilização dos movimentos de mulheres e embora o próprio PT tenha adotado a estratégia feminista, criada pelas ativistas feministas, de voltar os holofotes para o machismo de Aécio Neves (PSDB) na sua forma de tratar a presidenta Dilma, isso não quer dizer que já podemos comemorar e esperar grandes mudanças na nossa sociedade. É verdade que comentaristas e analistas políticos abordaram a pauta de gênero, mas até que ponto isso só foi feito para conquistar mais votos? Até porque esses mesmos colunistas e jornalistas raramente são vistos falando sobre questões de gênero.

É verdade que saímos no lucro: muita gente enxergou uma face do machismo que dificilmente é vista por quem não se dispõe a analisar mais profundamente os padrões de gênero em nossa sociedade, por isso as pessoas perceberam que o tom de voz, o modo de olhar, o dedo em riste e o uso de certos termos também formam uma postura machista que tem como objetivo a desvalorização da outra pessoa, a mulher, pela via do gênero. Além disso, mais gente se aproximou das pautas feministas e a estratégia adotada pela campanha de Dilma foi um reconhecimento também da perspicácia dos movimentos feministas brasileiros. Isso tudo gera resultados que devemos colher pelos próximos anos, enquanto enfrentamos graves tentativas de retrocesso.

Nossa reflexão, no entanto, precisa passar por uma profunda crítica aos portais e mídias de esquerda, que devem se comprometer com as demandas feministas. O ano de 2014 serviu como sinal de fumaça que indica o fogo de uma cultura machista, ardendo a pleno vapor. Os valores de nossa sociedade estão distorcidos, baseados no desprezo pelo feminino e na redução da mulher às funções biológicas. Dilma sentiu isso na pele, antes mesmo de chegar a idade adulta, enquanto era torturada nos porões da Ditadura Militar, e hoje, décadas depois, mesmo sendo presidenta do Brasil. Já que não dá para negar a existência do machismo, essa é a hora de comprovar quem efetivamente se levantará para combatê-lo.

Jarid Arraes

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