Reforma política e a participação feminina no Congresso, por Brenda Cunha

03 de outubro, 2017

Uma nova oportunidade para fazer avançar propostas mais substantivas

(Jota, 03/10/2017 – acesse no site de origem)

Plenário da Câmara dos Deputados começou a analisar a proposta de Reforma Política, que trata de temas como proibição de coligações para eleições proporcionais e a criação de um fundo especial para financiamento público de campanha eleitoral. Apesar da pouca visibilidade na mídia e nos debates entre os parlamentares, a Reforma tem como um de seus objetivos principais contribuir para a melhoria dos mecanismos de estímulo à participação das mulheres na política. Essa será a segunda vez, em pouco mais de dois anos, e na mesma Legislatura, que uma Reforma Política entrará em votação no Congresso, trazendo a ampliação da participação política feminina em sua pauta.

No Brasil, apesar das mulheres responderem por cerca de 52% do eleitorado nacional, apenas 10% das 513 cadeiras da Câmara dos Deputados são ocupadas por parlamentares do sexo feminino. Esse quadro de sub-representação é ainda mais flagrante quando comparado a outros países. De acordo com os dados do Inter-Parliamentary Union[1], organização internacional que compara a representação das mulheres nas Câmaras baixas de 193 países, a Câmara brasileira ocupa a 153ª posição. A fim de reverter esse quadro, o Brasil e diversas outras democracias – Bélgica, Argentina, Ruanda – no mundo têm adotado políticas de ações afirmativas como recurso para o combate dessas desigualdades.

Nesse contexto, analisamos algumas das principais propostas enviadas à Comissão Especial da Reforma Política durante a elaboração do Projeto de Lei que será levado à votação a fim de verificar como essa pauta foi tratada e suas eventuais contribuições. Comparamos, também, o texto atual com a lei aprovada durante a minirreforma eleitoral de 2015, a fim de identificar possíveis avanços entre elas.

Cotas de candidaturas para mulheres em eleições majoritárias

Dentre as propostas apresentadas pelo projeto de lei elaborado pela Comissão Mista da Reforma Política[2] (PL8612/2017) sob a condução do relator Vicente Cândido (PT-SP), uma das mais inovadoras e significativas é a exigência da participação feminina nas chapas majoritárias[3]. A proposta foi inclusa somente nos últimos momentos da discussão, no dia da votação do texto-base[4] do anteprojeto de lei, por solicitação do PPS. Caso seja aprovada, o partido que disputar os cargos para Presidência da República, Governos estaduais e/ou Prefeituras será obrigado a lançar uma mulher como candidata a um dos dois cargos na chapa. Ou seja, se um homem for lançado como candidato para o cargo de Chefe do Executivo (Presidência, Governo e Prefeituras), uma mulher deverá concorrer como sua vice, e vice-versa. Nas eleições para o Senado, caso a legenda concorra para as duas vagas, uma mulher deverá ser lançada para a disputa.

Embora haja a possibilidade das lideranças partidárias concederem poucas “cabeças de chapa” a candidatas do sexo feminino, privilegiando assim os postos de vice, o mesmo não ocorreria nas eleições para o Senado. Reside neste ponto, a força da medida, que tem grande potencial de impacto para o aumento da representação nas esferas de decisão.

Cotas dos recursos do Fundo Partidário e do Tempo de Propaganda Eleitoral Gratuito

O projeto de lei também prevê alterações na Lei dos Partidos Políticos (9096/1995, artigos 44 e 45). Com poucas diferenças em relação à lei aprovada na minirreforma eleitoral de 2015, o novo texto propõe elevar de 5% para 10% a cota mínima que o partido deverá deduzir – dos valores do fundo partidário originalmente atribuídos ao partido – para programas de promoção política das mulheres. O projeto também prevê o aumento de 10% para 30% o tempo mínimo reservado para programas das parlamentares da agremiação nos horários de propaganda eleitoral gratuita e das inserções no rádio e TV[5] destinados ao partido.

Desempate em Eleições Majoritárias Plurinominais

Umas das últimas alterações da Comissão Especial ao projeto de lei que será levado à votação no Plenário foi a inclusão do sistema majoritário plurinominal para as eleições para deputados federais, deputados estaduais, deputados distritais e vereadores[6]. O texto estabelece que serão eleitos os candidatos mais votados da respectiva circunscrição, na ordem de sua votação nominal, até o número total de representantes do Estado, do Distrito Federal ou do Município. Em caso de empate entre candidatos de sexos distintos, a mulher será tida como eleita[7].

Cotas de cadeiras no Parlamento

Em meio à pressão por parte da bancada feminina no Congresso, o presidente da Comissão da Reforma Política declarou que o Presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), teria se comprometido de levar à votação a PEC da Mulher (134/2015)[8]. O texto seria votado em 2016, mas foi adiado devido a reabertura das discussões em torno da Reforma Política. A proposta destina um percentual das cadeiras das Casas Legislativas – Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas, Câmaras Municipais e Câmara Legislativa do Distrito Federal – para representantes do sexo feminino. As vagas seriam preenchidas em caráter progressivo e temporárioválido por três legislaturas, em cotas crescentes de 10%, 12% e 16%.

A proposta está na pauta da primeira semana de outubro para discussão. Caso avance e seja aprovada, causará um impacto direto sobre o aumento da representação feminina.

Em 2015, durante as votações da minirreforma eleitoral, uma proposta semelhante foi apresentada (PEC 182/2007) e levada ao Plenário. Contudo, por ter alcançado somente 293 dos 308 votos necessários que seriam sua aprovação, acabou rejeitada.

Proposições não contempladas

Duas propostas de emenda constitucional, apensadas à PEC da Mulher, visando a expansão das cotas para mulheres em outras esferas de poder, receberam parecer negativo da relatora Soraya Santos. A proposta que prevê o estabelecimento de cotas nas esferas do Poder Judiciário, das comissões e funções da Administração Pública Federal direta e indireta, autárquica e fundacional (PEC no 205/2007) foi rejeitada devido a dificuldade de obter consenso em torno da matéria. Do mesmo modo, visando dar celeridade à votação da PEC da Mulher, foi rejeitada a proposta que previa cotas de cadeiras para mulheres no Senado (PEC 371/2013). Segundo a relatora, um parecer positivo obrigaria a retirada da matéria da Câmara e sua devolução ao Senado para uma nova apreciação.

Uma nova oportunidade para fazer avançar propostas mais substantivas

As Reformas Políticas discutidas nos últimos anos apresentaram poucas perspectivas para a redução da discrepância existente entre a representação de homens e mulheres no Parlamento brasileiro. O discurso aparentemente consensual a favor da adoção de políticas afirmativas no Congresso brasileiro não foi capaz, até o momento, de gerar políticas que impusessem custos significativos aos interesses já estabelecidos, forçando uma mudança nas condições de competitividade ou elegibilidade das mulheres. O consenso observado nos últimos anos se limitou à ampliação das cotas já existentes, que pouco – ou nenhum – impacto geraram no aumento da representação.

Enquanto isso, propostas com potencial para gerar impactos diretos na representação e alterar o status quo têm enfrentado mais dificuldade para avançar[9] ou serem aprovadas (vide exemplos acima), além de receberem pouca visibilidade nos debates e na imprensa. Esse é o caso da PEC da mulher, que vêm sendo negociada informalmente, por fora dos espaços oficiais de deliberação da reforma política, o que prejudica uma maior mobilização em torno dela.

Apesar do pouco destaque dado às propostas voltadas para a ampliação da representação feminina, a reabertura da pauta para a Reforma Política significa uma nova oportunidade para que propostas mais substantivas possam avançar. Caso o projeto apresentado pela comissão especial mantenha até o final das votações no Congresso e consiga aprovar a proposta de paridade de sexo na composição das chapas majoritárias, teremos um grande diferencial em relação às Reformas anteriores. Tal medida poderá representar um passo importante na redução do quadro de sub-representação das mulheres. Nos próximos dias, portanto, poderemos ter uma melhor definição das expectativas em torno dessas questões, dado que até o dia 7 de outubro os parlamentares estarão mobilizados para votar a Reforma, a fim de obedecer o prazo para que novas regras sejam válidas nas eleições de 2018.

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[1] Fonte: http://www.ipu.org/wmn-e/arc/classif010817.htm. Dados atualizados até Agosto, 2017.

[2] Comissão especial formada para gerir os trâmites da reforma política, composta por membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

[3] PL8612/2017, art.3º (propõe alteração da “lei das eleições” 9504/1997, art.2º, §5º, art.3º, §3º, art. 10-A).

[4] Votação ocorrida na Comissão Especial da Reforma Política, no dia 12/09/2017.

[5] As alterações apontadas no texto se referem ao Art.44, inciso V, §5º e Art. 45, inciso IV §1º, §2, §2-A, §2-B, §2-C.

[6] Art.14 do PL8612/2017

[7] Art. 16, §1º do PL8612/2017

[8] http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/539008-PLENARIO-DA-CAMARA-PODE-VOTAR-PEC-QUE-GARANTE-VAGAS-PARA-MULHERES-NO-LEGISLATIVO.html

[9] A PEC 23/2015,que reserva 30% das vagas no Legislativo para mulheres, aguarda votação em comissão do Senado desde 2015.

Brenda Cunha – Pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da FGV

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