Ser feminista é um exercício constante de olhar para as outras, por Nana Soares

13 de abril, 2017

Sou mulher, branca, sem deficiências, nasci no interior de SP, numa família de classe média que teve suas vacas gordas e magras. Cisgênero, bissexual, na casa dos 20 anos, estudei em escola particular e fiz universidade pública. Isso não é cadastro de SUS, é um lembrete de quem eu sou e de como isso necessariamente vai afetar como eu vejo o mundo e o feminismo.

(Estadão.com, 13/04/2017 – acesse no site de origem)

Conforme descobria o feminismo, o mundo foi fazendo mais sentido e todas as injustiças que eu sentia ganharam nome. Por ser mulher, percebi cedo como as coisas eram mais difíceis para nós, era fácil de ver que os meninos da minha escola tinham muito mais liberdades do que eu. Odiava o estereótipo de sexo frágil, com o qual nunca me identifiquei. Enxerguei isso com facilidade, mas levei décadas para perceber que à mulher negra nunca coube esse rótulo de frágeis e delicadas.

Lendo e ouvindo as mulheres negras, percebi que muito daquilo que eu entendia como universal não o era. Na verdade elas passam por coisas que eu realmente não fazia ideia. E nem tinha como, já que sou branca, cresci num ambiente cercado de gente branca e com pouca discussão social a respeito.

Sempre senti pressão estética para ser magra, aí descobri que existe uma coisa chamada gordofobia. Recentemente descobri o feminismo asiático, que me bagunçou igual quando eu li ‘feminismo negro’ pela primeira vez. Entender as intersecções com homofobia e transfobia também me tiraram da caixa.

O feminismo me ajudou a encontrar meu lugar no mundo, mas também me mostrou que existem lugares diferentes do meu e que não posso nunca esquecer de olhar para eles. Se eu não tiver empatia pela situação d@s outr@s, minha própria prática é limitada. Afinal de contas, só tenho a experiência de ser branca, do interior, bissexual, classe média, cis. Mas as mulheres são muito, muito mais do que isso.

Só para dar alguns exemplos, embora eles sejam inúmeros: para falar de aplicativos específicos para mulheres, tenho que lembrar que nem todas as mulheres têm acesso a essa tecnologia e/ou domínio sobre ela. Fatores geracionais e de classe social fazem toda diferença. Para falar de assassinato de mulheres, não posso desconsiderar que as mulheres negras são mortas em números maiores do que as brancas, vítimas do racismo, da falta de cuidado institucional e de agressões da polícia. E isso só para início de conversa.

Quase nunca é prazeroso olhar pra fora da gente – a zona de conforto não tem esse nome por acaso -, mas é necessário. Não fossem as mulheres negras, trans, de ascendência asiática, com deficiência (e a lista continua), eu pensaria muito diferente do que penso hoje e veria o mundo com outra lente. E também sei que o processo está só começando.

Consigo ser bem sucedida nesse exercício em 100% das vezes? Tenho certeza que não. Desconstruir preconceitos é um trabalho de uma vida toda e, se já é difícil reverter o machismo e a homofobia que me vitimam, imaginem tirar os preconceitos em que eu sou a parte opressora? Mas preciso tentar mesmo assim.

Meu feminismo não alcançou nenhuma linha de chegada, está sempre em mudança e (penso eu) evolução. Acho que não poderia ser diferente, já que o mundo traz sempre novas questões e abordagens. O que não vai mudar é meu lugar específico de fala, e por isso preciso constantemente de outros pontos de vista que questionem minhas certezas.

Ninguém é obrigad@ a nascer sabendo, mas é nossa obrigação tentar melhorar enquanto seres humanos. Perguntar quando tem dúvida, ouvir ouvir e ouvir, tentar entender e se colocar no lugar. Precisamos fazer valer nossas experiências e considerar as diferentes das nossas. O caminho pra mudança, feminismo incluso, nunca foi ignorar as vozes diferentes das nossas.

Em tempo: o assunto da semana é a expulsão do participante Marcos, do BBB, decorrente das agressões a Emily. Não assisto o programa e não me sinto capaz de opinar, mas recomendo aqui os seguintes textos:

O que Ieda e Vivian fizeram por Emily tem nome: SORORIDADE

BBB17: A violência contra a mulher ganha mais um capítulo na rede Globo

Nota de repúdio sobre BBB17 e Rede Globo: Por que expulsar o agressor não basta, por Rede Mulher e Mídia.

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