O que a mulher que mais sofre com a tripla jornada ganha da Previdência?, por Pedro Fernando Nery

28 de fevereiro, 2017

O foco da preocupação com a mulher neste debate não deveria ser o fim das diferenças nas regras entre homens e mulheres, tema mais caro às mulheres mais bem posicionadas na distribuição de renda

(Nexo, 28/02/2017 – acesse o ensaio na íntegra)

Deodorina chegou atrasada ao trabalho. A patroa, Dona Carmen, não deu atenção: estava vidrada na TV, atenta ao jornal. Reclamou da retirada de direitos na Previdência, mas percebeu que a reforma não a afetava tanto. Carmen terá de adiar em 6 meses os seus planos de se aposentar ano que vem, aos 52 anos.

Servidora pública, Carmen receberá para todo o sempre o maior salário da sua vida, ainda que não tenha feito contribuições no montante correspondente, e terá aumentos reais sempre que os funcionários da ativa tiverem. Ficou com pena de seu filho, também funcionário público, porque ele não vai receber nada disso e ainda se aposentará mais tarde que a mãe: vai trabalhar até morrer, diz ela. Carmen acha um retrocesso, e se queixa da reforma: “imagina como fica o pobre”.

Carmen defende ser um absurdo a aposentadoria para homens e mulheres na mesma idade, porque sabe que os compromissos da casa e com o filho sempre sobraram mais para ela do que para o marido. Felizmente, Carmen teve condições financeiras para continuar trabalhando, 30 anos seguidos, sem precisar largar o emprego para cuidar da criança. Usou parte do seu salário para pagar uma creche, e depois sempre pôde contar com a ajuda de mulheres como Deodorina, sua empregada.

Deodorina também completará 52 anos, mas não vai se aposentar ano que vem. Tampouco nos seguintes. Embora trabalhe desde a adolescência, não vai conseguir juntar os 15 anos de contribuição que o INSS exige para uma aposentadoria. Durante as últimas décadas, conseguiu por poucos anos ter a carteira assinada. Por um período ficou desempregada, por outro precisou ficar em casa cuidando dos seus cinco filhos. Deodorina quase sempre buscou emprego. Sem diploma, praticamente só conseguia fazer diárias, como na casa de Dona Carmen. Foi difícil, mas ela conseguiu criar as cinco crianças. Deodorina não sabe o que significa tripla jornada, mas não vai receber nenhuma compensação da Previdência pelas suas décadas como profissional, mãe e dona de casa. Resta a ela pedir um benefício assistencial, na mesma idade de seu marido, aos 65 anos.

Carmen recebeu uma ligação do sindicato da sua carreira para uma manifestação. Ficou animada e irá protestar com seu filho contra a perda de direitos, contra retrocessos sociais e pela dignidade da pessoa humana. A passeata falará de isonomia, paridade e integralidade.

(Acesse o ensaio na íntegra – Nexo, 28/02/2017 )

Pedro Fernando Nery é mestre em Economia pela Universidade de Brasília (UnB) e Consultor Legislativo do Senado Federal na área de Economia do Trabalho, Renda e Previdência.

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