Parcela da população que se declara dona de casa cai para 7% em 26 anos

06 de agosto, 2019

Série histórica de 26 anos do Datafolha mostra queda de prestígio da ocupação

“Bela, recatada e do lar”, a expressão que viralizou em 2016 após ser usada para definir a esposa do então presidente Michel Temer, está desatualizada. Ao menos a terceira parte –do lar– deixou de representar boa parte das mulheres brasileiras. Segundo série histórica do Datafolha, 19% da população se declarava dona de casa em 1993.

Na mais recente pesquisa Datafolha, feita em 4 e 5 de julho com 2.086 pessoas com mais de 16 anos, essa parcela caiu para 7%. Há 26 anos, quando o instituto de pesquisa começou a medir a participação dos brasileiros na economia do país, duas em cada dez pessoas declararam a ocupação “do lar”.

Para retratar a população, as sondagens costumam equilibrar os entrevistados por gênero –cerca de metade são  homens, a outra parte reúne mulheres. Estatisticamente, no entanto, é insignificante a parcela masculina que responde ter como principal ocupação os afazeres domésticos. Essa percepção de ocupação “do lar”, vale lembrar, é apresentada pela própria entrevistada. Por exemplo, uma autodeclarada dona de casa pode vender produtos da Natura como bico, mas ver como sua ocupação principal a vida doméstica.

Para o diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino, há um motivo central para explicar o declínio: o envelhecimento desse segmento. “As novas gerações já chegam à idade adulta tendo a necessidade e a motivação para pertencer à população economicamente ativa. A inserção da mulher como protagonista no mercado de trabalho leva também a mudanças atitudinais dentro de casa e na esfera profissional”, diz ele.

E se vemos mais mulheres como chefes de família, diz Paulino, “me parece mais consequência dessa diminuição do que causa”.

Um misto de necessidade e vontade fez com que a mulher deixasse de se apresentar como dona de casa, diz o economista da PUC-RJ José Márcio Camargo. “A necessidade de complementar a renda familiar, o nível educacional mais elevado, a valorização social do trabalho fora de casa, a independência financeira, enfim, foi um grande conjunto de
razões de razões que pesou para a mudança. E essa tem sido a tendência no mundo inteiro. Não há nenhuma surpresa que seja assim no Brasil.”

Vejamos o quadro nacional: no começo dos anos 1990, a parcela feminina no mercado de trabalho beirava os 35%; hoje já fica em torno de 45%.

O que se considera “a ampliação de oportunidades de trabalho que valorizam as habilidades das mulheres”, porém, vem acompanhada da jornada dupla, que ainda é a realidade de muitas mulheres que se dividem entre a labuta doméstica e o expediente fora de casa, afirma Paula Montagner, economista da Fundação Suede, ligada ao
governo paulista.

“Elas combinam suas atividades no mundo do trabalho com o cuidado da casa e dos filhos”, diz Paula. Para constatar essa realidade, basta conferir um recorte da PNADC do IBGE (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), divulgado em abril: mulheres separam em média 21,3 horas semanais para cuidar da casa e de outras pessoas (como um filho), o dobro do tempo declarado pelos homens.

A administradora Diana Branisso, 38, diz que precisa de uma “agenda militar” para conciliar a criação de Nicky, 6, e Manu, 3, com seu trabalho, sua pesquisa acadêmica e as aulas que dá de marketing digital.

“Trabalho desde que me conheço por gente”, conta. Diana conta que vendia chocolate quando criança, fazia animação de festas infantis e ensinava inglês na adolescência. Ao contrário do marido, Diana tem flexibilidade para fracionar a rotina: intercala o expediente com o acompanhamento educacional das filhas, incluindo ajudar no dever de casa e buscá-las na escola. Tempo para si mesma, nem pensar, no momento. “A academia morreu”, diz.

Já Josiléia Lucília Correia, 41, tinha um acordo com o esposo, com quem está desde seus 14 anos. Quando formassem família, ela se dedicaria à prole. “Ele sempre disse que não gostaria que outra pessoa tomasse conta dos nossos filhos. Aceitei numa boa, não vi como algo ruim para mim.”

Com duas filhas, de 14 e 19 anos, hoje estuda psicologia. “Percebi que eu queria ser mais útil, não queria mais ser só dona de casa”, afirma Já Jéssica Pádua da Cruz, 25, está tão confortável com a função que administra no Facebook a página Donas de Casa Práticas, Organizadas e Felizes.

Ela estudava administração, mas parou assim que casou. Ela diz ser um engano imaginar que tem tempo sobrando porque não trabalha. “Tipo, tem muita gente acha que é uma vida fácil, molezinha, mas longe disso”, afirma.

Jéssica conta que acorda às 5h30, faz café, toma conta da casa, serve o almoço para filha e a leva para o colégio. E isso só na primeira metade do dia. Jéssica costuma ouvir de meninas da sua idade ou até das mais novas que trabalham fora que mulheres “do lar ficam o dia todo de pernas para o ar. “Ai, ai, antes fosse”, diz. “Muitas vezes acordo falando: hoje não vou fazer nada em casa. E quando percebo já estou lavando uma louça, umas roupas… Não tem jeito pra descansar.”

Ela sonha em formar uma dupla sertaneja com o marido um dia. Por ora, continua engrossando essa camada populacional que já viu dias mais populares.

“Meu sonho é ser cantora, até hoje. Mas nunca tive oportunidade. Então, achei melhor ficar sendo dona de casa mesmo”, afirma.

Por Anna Virginia Balloussier

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