Quase 50% das casas legislativas no Brasil não preveem licença-maternidade

21 de setembro, 2019

Levantamento mapeou regimentos das assembleias legislativas e das câmaras municipais das capitais, além do Congresso Nacional. Quase metade dos documentos não prevê licença para as parlamentares

(Diário do Nordeste, 21/09/2019 – acesse no site de origem)

No Brasil, as mulheres são maioria. Em porcentagem, representam 51,5% da população brasileira – e tendem a crescer ainda mais, informam dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dentre elas, o desejo pela maternidade continua majoritário, com 80% das brasileiras desejosas de serem mães.

Contudo, embora o anseio encontre amparo na Constituição Federal – na qual é prevista a licença-maternidade de 120 dias -, o mesmo ainda não consta nos regimentos internos de casas legislativas brasileiras. São 27, entre Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais de capitais, as que não citam o direito às mães.

Levantamento realizado pelo Núcleo de Dados do Sistema Verdes Mares mapeou os regimentos internos de 55 casas legislativas, sendo elas as 26 Assembleias Legislativas estaduais, as Câmaras Municipais das 26 capitais brasileiras, além da Câmara Legislativa do Distrito Federal. Também entraram na pesquisa a Câmara dos Deputados e o Senado Federal.

A ausência de previsão regimental para o afastamento temporário das mulheres em idade reprodutiva é um dos reflexos de um Legislativo – em geral – que ainda não se adaptou à chegada de mulheres jovens à vida pública. No Ceará, a Assembleia Legislativa tem uma previsão regimental para o assunto desde 2015. Já a Câmara Municipal de Fortaleza, ainda não tem a norma, e usa como regra a do funcionalismo público.

No País, as deputadas estaduais são as mais afetadas pela falta de previsão. Apenas 11 Assembleias preveem o direito às recém-mães, contra 14 nas quais o direito não é citado. Há ainda o caso do Rio de Janeiro, no qual a licença é citada, mas apenas de 20 dias.

Em Minas Gerais, Ana Paula Siqueira (Rede) é apenas a 2ª deputada estadual a engravidar durante o exercício da legislatura. Mais de 20 anos a separam de Elbe Brandão, deputada que, em 1998, precisou de autorização para se ausentar após nascimento do filho.

Duas décadas depois, Ana Paula ainda se deparou com um regimento interno sem a previsão para a maternidade. “O lapso temporal acaba fazendo com que algo básico da mulher, mas não corriqueiro (nas casas legislativas), acabe ficando em segundo plano”, aponta a deputada.

O nascimento de Manoel, terceiro filho de Ana Paula, ocorreu em agosto. A partir de uma analogia à Constituição, foi concedida licença por 120 dias. Durante o período, no entanto, não haverá chamado de suplência, e o gabinete dela continua funcionando.

Antes disso, Ana Paula Siqueira protocolou requerimento para a licença-maternidade e paternidade, natural ou adotiva, ser incluída no regimento da Assembleia Legislativa de Minas Gerais.

“Nós sabemos que esses espaços se alternam e podem sofrer uma avaliação de acordo com o posicionamento político de quem está conduzindo a Casa. Isso cria uma situação de instabilidade. O óbvio ainda precisa estar escrito e falado”, defende Ana Paula.

Ceará

A Assembleia Legislativa do Ceará é uma das 11 Casas na qual a licença-maternidade é prevista. A alteração, entretanto, é recente. Atualmente prefeita de Icó, a ex-deputada estadual Laís Nunes foi a primeira parlamentar cearense a precisar se ausentar do Legislativo por conta do nascimento do filho, em 2015.

Porém, a licença-maternidade para parlamentares não constava nem no regimento da Casa nem na Constituição Estadual. Foi necessário, portanto, uma Proposta de Emenda à Constituição e, só depois da aprovação, foi possível votar em plenário a licença-maternidade para a parlamentar.

Agosto também foi o mês do nascimento de Judah, terceiro filho da vereadora de Fortaleza Priscila Costa (PRTB). A parlamentar optou por não pedir a licença-maternidade, tendo solicitado apenas licença-médica por poucos dias, por isso ela já está de volta à Casa. Procurada pela reportagem, a assessoria da vereadora informou que a parlamentar não teria como responder.

Vereadoras

Ainda assim, mesmo se Priscila tivesse optado pela licença-maternidade, o pedido não estaria contemplado pelo regimento da Câmara Municipal. Em casos similares, a assessoria da Casa informa que a vereadora pode decidir por quanto tempo deseja se ausentar de acordo com regras do funcionalismo municipal.

O número de câmaras municipais das capitais que preveem a licença-maternidade é maior do que o de legislativos estaduais. Apesar disso, ainda são 12 as casas nas quais vereadoras não têm o amparo do regimento caso engravidem.

“Nós acabamos nos deparando com a necessidade de adequar os regimentos aos novos tempos. Nós sempre tivemos uma hegemonia masculina na ocupação desses espaços e as poucas mulheres não estavam na fase reprodutiva. Agora, temos uma maior participação feminina e cada vez mais jovem”, diz Ana Paula.

No entanto, “há ainda muitos obstáculos de acesso e dificuldades de permanência” para mulheres que desejem adentrar os espaços do Legislativo, aponta a professora de Direito da Universidade Federal do Ceará, Juliana Diniz. As dificuldades começaram a ser enfrentadas a partir das cotas para candidaturas femininas e do percentual de recursos destinados a essas candidatas.

Professora da Universidade Federal da Bahia e doutora em Ciência Política, Teresa Sacchet explica que as medidas são insuficientes. “É um sistema desigual, porque as campanhas das mulheres concorrem com quantias menores do que a dos homens”. Para ela, um dos principais entraves são os próprios partidos.

“É necessário que se altere as estruturas partidárias, nas quais as mulheres ainda possuem pouca participação e pouca ingerência sobre as decisões”, argumenta. Para Sacchet, acarreta baixa representatividade feminina brasileira, que figura nos últimos lugares na América Latina. Sacchet cita que, enquanto a Bolívia tem 52% de representatividade no legislativo nacional, a Câmara dos Deputados, no Brasil, tem apenas 15%.

“A política institucional exige demais a presença da pessoa naquele espaço e, consequentemente, a ausência no espaço doméstico. Isso acaba sendo um fator que afasta muitas mulheres da atividade parlamentar porque sobrecarrega as mulheres com um custo familiar alto”, explica Juliana Diniz. “Uma possível candidata que sabe que não vai ter como exercer o direito à licença, vai pensar se é o caso de se candidatar ou não”.

O caminho, para além da correção dessa ausência nos regimentos internos, é o aumento da representatividade feminina nos espaços de política institucional, considera a pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lapem) da UFC, Paula Vieira. “Não temos ainda uma naturalização da importância dessas questões de gênero. Ser previsto no regimento tem a possibilidade de mudar a cultura, porque está garantido por via regimental. É uma maneira de modificar como é vista a licença-maternidade”, afirma.

Boa parte das casas legislativas no Brasil não tem previsão regimental para o afastamento das parlamentares após a gestação. O caso reabre o debate sobre a participação das mulheres na política.

Diferença regional

A região Sul é a única na qual todas as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais das três capitais possuem a previsão para licença-maternidade. Já os estados e capitais da região Norte são aqueles onde a licença está menos presente nas casas legislativas: apenas 2 Assembleias e 2 Câmaras possuem a previsão.

Direito prestacional

A licença-maternidade é considerada um direito social prestacional, ou seja, é uma norma que determina uma ação por parte do Poder Público para que esse direito seja efetivado. Nesse caso, sendo a licença-maternidade garantida pela Constituição Federal, o correto seria que parlamentares fizessem legislação para estabelecer esse direito também nos regimentos internos. O que não ocorreu em parte das Casas legislativas, onde foi necessário uma parlamentar necessitar da licença antes de haver a modificação.

Respostas

A reportagem contatou todas as casas legislativas nas quais o regimento interno não possui previsão de licença-maternidade. Apenas a Câmara Municipal de Goiânia explicou que é possível tirar a licença apresentando “atestado médico junto ao RH e também na junta médica do município”, apesar de não se tratar de doença.

42%

Das Câmaras Municipais de capitais brasileiras também não preveem licença para as vereadoras.

Por Luana Barros

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