Trabalho sexual não é crime, por Soraya Silveira Simões

06 de agosto, 2015

(O Globo, 06/08/2015) Criminalização das relações de trabalho nesse universo laboral põe milhares de homens e mulheres à margem dos direitos garantidos a todo trabalhador

O anúncio da política proposta pela Anistia Internacional em favor da descriminalização plena do trabalho sexual, às vésperas da Reunião Internacional do Conselho, está provocando uma série de reações e mobilizações em todo o mundo.

Entre aqueles que se manifestam a favor do documento, encontram-se as diversas associações de trabalhadoras e trabalhadores sexuais espalhadas pelo planeta e mais centenas de organizações governamentais e não-governamentais voltadas para a promoção dos direitos humanos e da saúde. Entre estas, Global Network of Sex Work Projects (NSWP), Global Alliance Against Traffic in Women (GAATW), American Jewish World Service (AJWS), Open Society Foudantions (OSF), a Davida e a Rede Brasileira de Prostitutas, no Brasil, além da Unaids, da Comissão Global sobre HIV e Lei da ONU e da própria Organização Mundial da Saúde, que, em julho de 2014, publicou as “Diretrizes consolidadas sobre prevenção, diagnóstico, tratamento e cuidados em HIV para as populações-chave”, propondo aos países membros da ONU a descriminalização do trabalho sexual como caminho para a promoção dos direitos humanos e da saúde.

Se todas essas vozes articulam-se na arena internacional a partir de uma lógica do reconhecimento dos principais agentes interessados nessa política — ou seja, pessoas adultas que compram e vendem serviços sexuais consensualmente —, outras tantas entram em cena encarnadas na pele de “empreendedores morais”, que, ao contrário, agem a partir de uma lógica da justificação (acionada face a um desacordo) contra as razões de trabalhadoras e trabalhadores sexuais de todo o mundo em defesa de seus próprios direitos. Nesse campo, e em particular a partir do anúncio da proposta política da Anistia Internacional, encontram-se associações que configuram uma verdadeira indústria do resgate, com elas, estrelas de Hollywood (em número muito maior do que o de astros ), sempre prontas a assumir qualquer causa dita humanitária.

Esse marketing social, no mais das vezes irresponsável, ao contrário do que possa parecer, baseia-se numa eloquente ignorância de realidades críticas e violentas provocadas pela ausência de leis protetivas, excesso de leis punitivas e pelo perverso não-reconhecimento das vozes organizadas em todo o mundo, individual ou institucionalmente, contra os prejuízos da discriminação e da criminalização dos comportamentos sexuais.

Vale lembrar que a prostituição no Brasil é permitida aos maiores de 18 anos, mas os problemas causados pela criminalização das relações de trabalho nesse universo laboral coloca milhares de homens e mulheres à margem dos direitos garantidos a todo e qualquer trabalhador e expostos aos maiores arbítrios cometidos por agentes públicos e privados. Por isso, defender a postura corajosa da Anistia Internacional em um cenário que parece começar a espetacularizar a vida de pessoas da “vida real” torna-se urgente.

Soraya Silveira Simões é professora da UFRJ e coordenadora do Observatório da Prostituição/Le Metro/IFCS-UFRJ

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